Pedagogia nacional
Desde o primeiro episódio de sua primeira temporada, The Newsroom não deixa dúvidas sobre suas intenções. A série dá continuidade a uma longa tradição de narrativas de pedagogia nacional, no contexto dos Estados Unidos da América. Mais exatamente, The Newsroom é uma espécie de metacomentário sobre uma das mais importantes formas de pedagogia nacional, desde o advento da imprensa: o noticiário.
Em cada episódio, a série acompanha acontecimentos das vidas de personagens ligadas à redação do programa jornalístico fictício News Night. O protagonista é Will McAvoy, o âncora que apresenta as notícias a cada noite de transmissão. A chegada da nova produtora do programa, MacKenzie McHale, que tem uma história de envolvimento pessoal com Will, dá início à primeira temporada, que acompanha as vidas dos dois e de outras personagens que participam da produção do programa.
A estrutura narrativa tem como base uma célula melodramática: a relação entre Will e MacKenzie e seu rompimento, devido à traição de MacKenzie. Depois de recomeçarem a trabalhar juntos, os dois precisam lidar com tudo o que não foi resolvido no passado, trazendo para o interior da redação suas divergências e seus desencontros pessoais. A célula melodramática é análoga, em suas funções narrativas, ao que se poderia chamar de célula heróica, que corresponde ao antagonismo social e simbólico entre o jornalismo, tal como praticado pela equipe de News Night, e o poder econômico-político das corporações de mídia. Na célula heróica, The Newsroom transforma as coordenadas melodramáticas em que as personagens transitam – sobretudo as ideias de moral e de bem – em fundamentos de uma narrativa épica.
Se a célula melodramática define o horizonte privado de articulação dos conflitos dramáticos, a célula heróica define o horizonte público, no qual os conflitos assumem conotações ideológicas associadas à pedagogia nacional dos Estados Unidos, ligada às ideias de democracia, de liberdade e de busca da felicidade, assim como à ideia fundamental de que os Estados Unidos representam tudo isso de algum modo privilegiado. Como se “Estados Unidos” fosse sinônimo de “democracia”.
Superioridade moral
No privado e no público, no melodrama e no épico, o que orienta The Newsroom é um sentido indubitável de superioridade moral, que pode ser destilado das relações entre as personagens. Mesmo que, isoladamente, elas não sejam identificadas ao bem e à virtude moral, não há espaço para dúvida sobre o que são o bem e a virtude, sobre o que define a superioridade moral, em qualquer um dos contextos de conflito dramático da série. O sentido de superioridade moral que orienta The Newsroom torna possível a resolução simbólica dos antagonismos sociais representados na narrativa, por meio da construção de uma visão ideal e normativa sobre o lugar do jornalismo na pedagogia nacional dos EUA, ou no resgate de sua suposta essência.
De fato, o pressuposto simbólico mais evidente de The Newsroom consiste na ideia de queda: o presente é a experiência da queda, da perda da essência, da imposição de padrões de entretenimento sobre o noticiário, da subordinação da verdade ao espetáculo, no contexto da diluição de valores nacionais tradicionais, como a liberdade. O presente não é apenas representado como queda na série; ele se inscreve nela como traço do decaimento da realidade. As notícias apresentadas por McAvoy são retiradas do noticiário estadunidense, cuja cronologia os episódios, sempre datados de forma muito exata, acompanham.
À inscrição do presente como experiência da queda e da perda da essência sucede, em The Newsroom, a projeção de um dever-ser, que procura contrapor, aos traços da realidade que as notícias representam, um desejo de futuro. Os diálogos ágeis e ácidos, que marcam os roteiros dos episódios, escritos por Aaron Sorkin, são um recurso de acumulação de sentidos sobre os traços da realidade. Por meio das falas das personagens, os acontecimentos da realidade são re-interpretados pela ficção. Dessa forma, um futuro em que os valores nacionais tradicionais são resgatados e reintroduzidos na pedagogia nacional pode se fazer imaginar pelos espectadores – “fazer imaginar”, isto é, obrigar, compelir a imaginar.
Os traços da realidade que aparecem em The Newsroom conferem à série legitimidade para estabelecer julgamentos morais sobre a vida coletiva (política, economia etc.) dos EUA. As personagens assumem o papel de heróis na narrativa épica de resgate da pedagogia nacional. Assim como nos conflitos da célula melodramática, não há espaço para dúvida sobre o que é o bem comum, no âmbito da célula épica de The Newsroom. Na série, a pedagogia nacional dos EUA e a noção de superioridade moral que a orienta subordinam a crítica, domesticam o questionamento e neutralizam todo dissenso, que se converte em mero truque de encenação.