Aschanti-Figuren, 1896-1903: para uma (an)arqueologia da extração

Publicado no livro Imagens em deslocamento: percursos em Arte e Antropologia, organizado por Marina Cavalcante Vieira, Luís Matheus Brito Meneses e Lucas Vieira Santos Silva, o ensaio “Aschanti-Figuren, 1896-1903: para uma (an)arqueologia da extração” (2025, p. 63-107) aborda alguns registros de jornais de Viena em torno de duas exibições de uma “aldeia Aschanti” no Jardim Zoológico do Prater, em Viena, em 1896 e 1897; o livro Ashantee, de Peter Altenberg (1897), e algumas das pinturas guache de Wilhelm Gause, que se referem, respectivamente, à primeira e à segunda das exibições da “aldeia Aschanti” em Viena; o poema “Die Aschanti (Jardin d’Acclimatation)”, que Rainer Maria Rilke escreveu em 1903, depois de uma visita à “aldeia Aschanti” exposta no conhecido parque de Paris, para caracterizar os zoológicos humanos como dispositivo antropozoológico de extração que produz espetáculos baseados em delírios brancos projetados sobre personas negras. Ao mesmo tempo, tento reconhecer os “dissensos que, no entanto, o dispositivo procurava conter e reprimir” (2025, p. 67), abordando “alguns rastros ambivalentes que Peter Altenberg recolheu em Ashantee, a negação do espetáculo encenada por Rilke e a carta aberta de uma mulher da etnia Ga-Adangbe chamada Yaarborley Domeï sobre sua experiência na mesma exposição que motiva o livro de Altenberg” (2025, p. 68). Nesse sentido, escrevi:

Para que seja possível começar a reconhecer as frequências do que soa por trás das máscaras, em desobediência à injunção do mascaramento racial e ao dispositivo colonial de extração, é preciso experimentar, em uma deriva anarqueológica, a leitura anarquívica dos arquivos (uma maneira de leitura que atravessa, estrutura e inquieta todo este texto), insistindo sobre vazios que restam — e aqui, entre minhas experimentações com o conceito de cinzas, encontramos parte da obra de Belinda Kazeem-Kamiński, que confronta o legado de Ashantee em seu livro de artista, Ashantee, edited (2017–2021), e recupera anarqueologicamente a voz de Yaarborley Domeï (em The Letter, 2019). (2025, p. 68)


Sobre o livro Imagens em deslocamento

Primeira publicação do Coletivo Peia (Performance, Imagem e Arte), Imagens em deslocamento: percursos em Arte e Antropologia é uma coletânea de onze capítulos sobre reflexões que promovem o encontro entre as duas disciplinas. Juntas, elas indicam uma série de vias para o contato com as imagens, sobretudo imagens de naturezas heterogêneas: a colagem, a gravura, a fotografia e a pintura que, de modos distintos, vinculam-se ao espaço expositivo ora do museu, ora da rua. Numa das notas de abertura, a organizadora Marina Cavalcante Vieira chama a atenção para as tipificações que se distribuem entre “imagens-abertura”, “imagens-pensamento” e “imagens-bifurcação”, de modo que elas — em vez de ocupar uma função decorativa — possam transformar-se na força propulsora das pesquisas.

A lição transversal do livro, que conta com o apoio do Programa de Pós-graduação em Antropologia (PPGA/UFS), tem a ver com os modos relacionais que, dentro e fora das circunstâncias de pesquisa, um sujeito constrói com as imagens. Na maior parte do tempo, está em jogo uma cadeia de imagens — e não uma imagem isolada, nem sequer uma imagem-síntese. Isto é, o múltiplo é indissociável das metodologias que pesquisadores e pesquisadoras colocam em operação. De capítulo em capítulo, os trabalhos passam das manifestações urbanas para os debates sobre restituição, das instâncias performáticas para as reflexões sobre arquivos, criando um fio de hipóteses que põe eventos do passado em contato com eventos do presente. Um diálogo ininterrupto.

Organização: Marina Cavalcante Vieira, Luís Matheus Brito Meneses e Lucas Vieira Santos Silva;

Autores: João Pacheco de Oliveira, Marina Cavalcante Vieira, Marcelo R. S. Ribeiro, Ulisses Neves Rafael, Layla Bomfim, Letícia Oliveira Feijão Galvão, David Ribeiro Correia, Luís Matheus Brito Meneses, Maryanna Santos, Isla Maria Vital Gristelli e Lucas Vieira Santos Silva;

Apresentação: Renata de Mello;

Ilustrações: Isla Maria Vital Gristelli;

Revisão: Bruno Pinheiro Ribeiro dos Anjos e Luís Matheus Brito Meneses;

ISBN: 978-85-8413-644-5;

Páginas: 345;

Download: site da Editora Criação – https://editoracriacao.com.br/imagens-em-deslocamento-percursos-em-arte-e-antropologia/

  • Marcelo R. S. Ribeiro

    Entropólogo da disseminação de mundos e professor de cinema‑delírio na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Autor do livro Do inimaginável (Editora UFG, 2019), coordena o grupo (an)arqueologias do sensível, desenvolve e orienta pesquisas sobre imagem, história e direitos humanos, cinemas africanos, história do cinema, arquivos e descolonização.

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