Enquanto preparava a aula de hoje de Cinema e História, acabei fazendo uma visita virtual ao Museu de Auschwitz, por meio de recursos do Google. A certa altura, passei do registro externo da entrada do museu, capturado por uma das viaturas do Street View em junho de 2013, para uma fotografia em 360 graus, feita por um visitante do museu, Paweł Kowalski, em uma visita ao local, datada de julho de 2014. A visitação virtual se converteu, gradualmente, numa deriva, cujo itinerário incerto tinha como objeto menos o próprio museu do que as imagens em que suas paisagens recentes se inscreveram. Particularmente, na fotografia de Kowalski, a deriva se tornou uma inquieta movimentação em torno de um buraco negro.
Auschwitz é um dos lugares da memória mais importantes para a “consciência da humanidade” que declara, em 1948, os direitos humanos (conforme a reinvenção paradigmática contemporânea do discurso dos direitos universais). Ao mesmo tempo, um detalhe – um punctum, talvez, como diria o Roland Barthes de A câmara clara – irradia sua estranha intensidade na foto de Kowalski: um dos visitantes, provavelmente um turista, aparece sem seus pés. Ele parece fixar seus olhos no visor de uma câmera, enquanto um glitch da fotografia de Kowalski converte sua presença no lugar da memória na ocasião de uma fantasmagoria. O buraco negro não é um vazio, mas uma potência explosiva. E, de fato, Auschwitz se revela, dessa forma, como um lugar da memória que é, necessariamente, ao mesmo tempo, um lugar do fantasma, com tudo o que isso tem de incontrolável e de imprevisível.