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V Mostra Audiovisual da UEG: comentários aos filmes

Comentários sobre as produções exibidas no dia 05 de dezembro de 2013, na V Mostra Audiovisual da UEG, de cujo júri participei, ao lado de Rafael Parrode e de Rafael de Almeida.

Na última quinta, dia 05 de dezembro de 2013, participei do júri da V Mostra Audiovisual da UEG, no Cinema Lumière do Shopping Bougainville, ao lado de Rafael Parrode e de Rafael de Almeida, a convite da coordenadora dessa edição do evento, Líllian Bento. Foi uma ótima ocasião para rever pessoas com quem não conversava há algum tempo, para ver o que o pessoal da UEG anda fazendo e para tentar entender, a partir desse material, o estado atual da produção audiovisual goiana, suas potencialidades e suas limitações.

A alta qualidade de parte do que foi exibido me surpreendeu. Você pode dizer que eu estava sendo preconceituoso, ou ignorante mesmo, sobre a atual produção audiovisual universitária, ao esperar por menos, e talvez você esteja certo, mas o fato é que, apesar de alguns filmes da Mostra me surpreenderem positivamente, parte do que vi confirmou minhas tímidas expectativas iniciais. Seja como for, houve gratas surpresas, o que nem sempre ocorre em eventos desse tipo, ainda mais quando é um evento de uma única instituição.


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Foram 13 produções, selecionadas, entre 19 inicialmente inscritas, pelas professoras Alyne Fratari, Jô Levy e Líllian Bento. A reunião de videoclipes musicais, obras experimentais, filmes de ficção e documentários na mesma sessão de cinema cria uma experiência difícil para qualquer espectador, que deve lidar não apenas com a diversidade de narrativas, de formas, de propostas, mas com a própria variabilidade do suporte a que a produção exibida se destina (a TV, o cinema etc.), embora tudo esteja sendo projetado na sala escura.

Como parte do júri (e é provável que os Rafaéis concordem comigo), precisei não apenas experimentar a diversidade do que assisto, como todos os espectadores que lotaram a sala destinada ao evento; meu trabalho era avaliar e hierarquizar, num contexto em que não existe qualquer solo comum em que todas as obras possam ser comparadas. Optei por reconhecer minhas preferências pessoais como ponto de partida, abandonando o delírio da objetividade, além de tentar, apesar de tudo, comparar o incomparável, por meio da compreensão dos afetos (mais do que dos conceitos e das técnicas) que cada obra movimenta. Ou talvez seja isso que eu diga a mim mesmo para justificar meu posicionamento na deliberação do júri. Nossa decisão final foi a seguinte:

  • 1º lugar: O preço da passagem, de Ernesto Rheinboldt e Thomaz Magalhães, por mesclar estratégias documentais e ficcionais com criatividade.
  • 2º lugar: Eu me lembro, de Débora Corrêa e Matheus Medeiros, pela exploração consciente das convenções de gênero narrativo do audiovisual.
  • 3º lugar: Estrangeiro, de Thiago Carvalho, por construir uma boa narrativa que ultrapassa as expectativas do videoclipe.
  • Menção Honrosa: O que aprendi com meu pai, de Getúlio Ribeiro.

No momento do anúncio da premiação, li as justificativas acima (na ordem inversa, claro, para não estragar a surpresa). Agora, gostaria de oferecer algumas considerações mais detalhadas, embora não muito longas, sobre o que vi na V Mostra Audiovisual da UEG, conforme a ordem em que as produções foram exibidas.

1. Máscara de carne

Categoria: experimental
Direção: Ana Paula Arêas, Bianca Rezende, Marcos Bruno, Mayara Varalho e Taynara Borges


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Máscara de carne representou, na Mostra, a longa tradição de experimentação poética e de interrogação das bases da representação audiovisual que constitui a videoarte. A desfiguração do rosto de uma mulher, com carne e sangue, acompanha a exibição das palavras de um poema sobre a carne e o lixo que habitam todo rosto. A opção de inscrever as palavras do poema na tela, em justaposição ou em sobreposição à imagem do rosto, evita algumas armadilhas da voz over, que poderia conferir ao poema um estatuto mais solene do que seus sentidos sugerem.

A frequência do uso de sobreposição de imagens é um indicativo da relação da obra com a tradição da videoarte, para a qual, de fato, é menos importante a performance diante da câmera do que o trabalho de intervenção sobre seu registro, de alteração de suas características plásticas, de perturbação de sua organização visual. Talvez esse sentido de perturbação, que as palavras do poema pretendem comunicar e que é recorrente na tradição da videoarte, tenha sido explorado de modo um pouco tímido, indeciso, uma vez que a performance parece imitar alguns aspectos ou alguns termos da mensagem poética, sem que a poesia chegue, efetivamente, a habitar as imagens.

2. L’amour

Categoria: videoclipe
Direção: Wilma Morais

Embora a estética do videoclipe tenda a ser associada ao império do corte, a tentativa de construir narrativas associadas a obras musicais, que é uma modalidade frequente desse tipo de produção, permite reduzir a frequência da intervenção da montagem. É o que ocorre nas imagens de L’amour, que se encadeiam em ritmo menos frenético do que costuma ocorrer em videoclipes (ou assim me pareceu). Seja como for, as imagens de L’amour procuram ativamente o erotismo, mas acabam por oferecer pouco mais do que variações em torno da publicidade, das características associadas à imagem publicitária e a suas formas de representar o amor e o erótico, repetidamente, como esvaziamento do que há de perturbador no desejo.

3. Spop’s de paixão

Categoria: videoclipe
Direção: Camila Nunes

Por meio da exploração da técnica de animação stopmotion, esse pequeno videoclipe constrói uma narrativa cuja trama é facilmente identificável, mas cuja narração envolve o recurso a criativas metáforas visuais. Além de manifestarem possibilidades específicas do stopmotion, essas metáforas funcionam como atalhos, como formas de condensar informações que, de outras formas, teriam exigido mais tempo para serem comunicadas. Porém, o aspecto artesanal da imagem nas animações em stopmotion, também visível nas imagens de Spop’s de paixão, não é explorado como recurso expressivo: as características formais do suporte das imagens permanecem secundárias em relação ao conteúdo que se pretende comunicar com elas, em vez de o transformarem, num entrelaçamento mais complexo.

4. Estrangeiro

Categoria: videoclipe
Direção: Thiago Carvalho

Embora se trate de um videoclipe, Estrangeiro não subordina a narrativa à música, como evidenciam os planos iniciais, que antecedem o início da canção. A decupagem é eficiente, a narração se constrói sem diálogos, e a encenação se beneficia da bela fotografia, apesar do recurso recorrente, até a saturação, ao fora de foco. Se, em alguns momentos, a imagem desfocada se justifica pela narração ou pelos sentidos que se pretende sugerir, em outros (talvez a maioria), o fora de foco se converte em fetiche visual, ao lado das imagens das belas atrizes.

O interesse da exploração visual do corpo feminino em Estrangeiro não reside na mera busca de prazer visual (que deve ser questionada, da perspectiva feminista), mas no fato de que a exploração do corpo feminino, as demandas impostas por ideais de beleza padronizados e o que se costuma denominar “objetificação” são temas da narrativa, pois uma das protagonistas é modelo, e o desfecho envolve a tentativa de desfazer alguns traços de domesticação de seu corpo pela indústria da moda. Dessa forma, há uma ambivalência no terceiro colocado da classificação definida pelo júri: Estrangeiro interroga e reproduz, critica e repete, ao mesmo tempo, as convenções de representação do corpo feminino que foram consagradas na história do cinema e da televisão.

5. Tempos de luta

Categoria: animação
Direção: Érico José

stopmotion pode ser uma forma de criar efeitos inusitados na construção de narrativas ou na representação do mundo, mas pode também se converter em uma escolha sem relação com o que se narra ou o que se representa. Ao comentar os protestos de junho, especificamente as reivindicações contrárias ao aumento das passagens de ônibus em Goiânia (a que faz referência o cartaz com a inscrição do valor R$ 3,00 rasurado por um X) e em outras cidades brasileiras, Tempos de luta assume uma perspectiva irônica que depende, contudo, de uma abordagem rápida, apressada, de questões que são, a meu ver, mais complexas. O título da animação é significativo desse tipo de abordagem, pois permanece ao mesmo tempo genérico e distanciado do que pretende comentar.

6. Tina e as árvores

Categoria: animação
Direção: Lorena D’arc

Sob a influência do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, o FICA,  e diante da importância da problemática da destruição do meio ambiente e da produção de imagens que deem conta do processo e de seus sentidos, a categoria “filmes ambientais” parece ter se tornado inevitável, mas sua definição não se tornou mais fácil com a sucessão de edições do festival. Tina e as árvores faz parte do conjunto de filmes que parecem buscar se definir como “ambientais” por meio da abordagem de temas ligados à relação com o meio ambiente.

Penso que a abordagem da temática ambiental em qualquer tipo de filme envolve o desafio de evitar a repetição de alguns clichês, e é justamente nesse problema que incorre essa animação. A escolha da voz over como forma de narrar e comentar os acontecimentos que as imagens representam confere ao filme um sentido moralizante, em que é fundamental um clichê bastante frequente: a metáfora da cidade sem árvores como selva de muros, de pedra, de construções. Grande parte do interesse que poderia existir nas imagens se reduz, em decorrência da mensagem moral que a voz over transmite com insistência e do fato de que as imagens não a ultrapassam, não a deslocam, apenas ilustram as palavras que formam o texto.

7. O preço da passagem

Categoria: ficção
Direção: Ernesto Rheinboldt e Thomaz Magalhães


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O vencedor da noite é um filme inusitado, cuja originalidade reside na escolha do assunto e na exploração de estratégias documentais e ficcionais de encenação e de narração. A escolha do assunto de um filme interessa à crítica de cinema na medida em que revela a consciência de quem produz o filme sobre o contexto em que sua obra se insere. Nesse sentido, O preço da passagem é inteligente, pois encontra suas condições de produção na própria temática abordada: a funerária em que se passa boa parte da narrativa é uma das empresas que o apoiou. Além disso, ao abordar o espanto que nos acomete quando descobrimos os elevados custos da morte na sociedade em que vivemos, o filme desenvolve uma abordagem inesperada.

O espaço da funerária em que se passa o filme, as informações da funcionária que explica pacientemente os trâmites necessários para a “passagem” e os custos de cada aspecto e de cada etapa do processo: tudo isso compõe a dimensão documental da narrativa, que só é revelada através do espaço ficcional aberto por suas imagens. Parte da ficção aparece como imagem em primeira pessoa, como plano da visão subjetiva de uma das personagens, o filho que leva sua mãe à funerária para a contratação de um dos planos oferecidos pela empresa e para a compra de um jazigo. É intensa e sutil, ao mesmo tempo, a encenação da morte como evento audiovisual (e não como evento no mundo que é registrado por meios audiovisuais): o corpo do filho, que olha diretamente para a câmera, desaparece e reaparece, como se fosse um fantasma. A atuação da mãe sustenta a situação dramática criada pelo suicídio, e o diálogo com a funcionária da funerária é montado com agilidade por meio do esquema campo-contracampo. Além disso, o plano da visão subjetiva do morto, dentro do caixão (que me fez lembrar do narrador-defunto de Memórias póstumas de Brás Cubas) justifica a exploração do fora de foco como recurso expressivo dentro da narrativa.

8. O que aprendi com meu pai

Categoria: ficção
Direção: Getúlio Ribeiro

Feito com recursos do Festcine e já exibido na última Curta Mostra Goiás, da Goiânia Mostra Curtas, o filme de Getúlio Ribeiro recebeu a menção honrosa do júri, pois demonstra uso consciente de diversos recursos estilísticos, como a voz over, que conduz a narração. O texto é bem escrito, e interage com as imagens de forma significativa, embora nem sempre palavras e imagens estejam suficientemente dissociadas para evitar redundâncias. Há alguns momentos, contudo, de exploração de algum atrito, de alguma disjunção, de alguma dissociação entre a voz do narrador-personagem e a narração visual construída pelos planos, cuidadosos em sua encenação, abertos para a exposição do espaço e da relação com o espaço como fundamento da cristalização do tempo que a imagem cinematográfica opera ao articular narrativas.

Um dos efeitos de sentido mais interessantes de O que aprendi com meu pai está relacionado ao sujeito que enuncia o título do filme. Afinal, quem diz “meu pai” não é o narrador-personagem, mas seu filho, uma criança que não diz nada, que não narra. O narrador, que se expressa em primeira pessoa como voz over, é o pai, e desempenha o papel de terceira pessoa do título. Quem diz o título é a criança, como revela, de forma definitiva, o belo plano em que o garoto se ajoelha sobre o corpo de sua mãe, de quem descobre o rosto morto, a face sem vida, matéria inanimada adivinhada, pelo espectador, entre os movimentos das mãos da criança.

9. Sem volta

Categoria: ficção
Direção: Gabriel Newton

A espera: eis o tema em torno do qual as imagens do cotidiano do protagonista desenrolam sua trama, quase sempre sem pressa. A preparação da comida, a limpeza da casa, cada afazer mais ínfimo do cotidiano, todas as figuras da vida comum são representados como parte de uma espera, em meio à qual ressoam referências intertextuais a dois filmes realizados por (ex-)estudantes do curso de Audiovisual da UEG: O que aprendi com meu pai, e de Getúlio Ribeiro, e Julie, agosto, setembro, de Jarleo Barbosa. O protagonista de Sem volta assiste os filmes, sem maiores explicações sobre suas razões, o que abre um campo incerto de interpretação da narrativa.

Com efeito, a incerteza é o modo de relação que o filme de Gabriel Newton estabelece entre espectador e narrativa. A espera se prolonga e se torna mais dramática quando a personagem se dirige ao ponto de ônibus e observa as pessoas que entram e saem dos veículos, sem encontrar ninguém. O desfecho mantém a situação em aberto, sem definir o objeto da espera ou encerrar sua duração, que ultrapassa, afinal, a duração do filme. Contraditoriamente, o uso do jump cut abrevia a duração da espera em diversos momentos da narrativa, o que interdita a deriva do olhar do espectador e perturba a articulação formal do tema da espera, cujos sentidos acabam por ser expressos como conteúdo narrativo, e não como experiência espectatorial.

10. Eu me lembro

Categoria: ficção
Direção: Débora Corrêa e Matheus Medeiros

O documentário pode ser entendido como um conjunto de convenções, de estilos, de formas, e suas estratégias estão disponíveis para qualquer tipo de produção audiovisual. O pseudodocumentário é uma das formas que assume, na ficção, a adoção de estratégias documentais de encenação, como a entrevista ou o depoimento, com o sujeito filmado encarando a câmera e dialogando com quem se encontra atrás dela, cuja voz soa, eventualmente, a partir de fora do campo visual. É essa a estratégia básica de encenação de Eu me lembro, que demonstra consciência das convenções de gêneros narrativos a ponto de poder subvertê-las. Destacam-se os elementos do gênero terror – pois se trata, de fato, de um filme de assombração – que são introduzidos por meio da entrevista como estratégia documental de encenação. A certa altura, quando a personagem afirma que sente que outros a observam, é denso o suspense produzido pelo corte que leva a um plano em que a câmera a observa sem que ela a veja: à encenação documental da entrevista acrescentam-se formas ficcionais de criação de suspense.

Representar a fantasmagoria por meio da introdução da imagem fotográfica na trama permite a Débora Corrêa e Matheus Medeiros conferir um efeito de realidade suplementar às aparições da assombração. Da tradição de filmes que tomam a fotografia como tema e como recurso narrativo, que inclui obras fundamentais como Blowup (1966), de Michelangelo Antonioni, ou Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas (2006), de Apichatpong Weerasethakul, Eu me lembro reitera a interrogação da relação entre fotografia e imaginação, memória, alucinação, que indica que o realismo da imagem fotográfica (assim como o da imagem cinematográfica) é apenas de uma de suas possibilidades de articulação sensível. A luz do realismo talvez esteja sempre atravessada pelas sombras de um resto irredutível de irrealidade, poeira nos olhos, matéria onírica, e é disso que o pseudodocumentário que foi considerado pelo júri o segundo melhor filme da noite retira sua força.

11. (Des)Conectada

Categoria: documentário
Direção: Victor Vinícius e Murilo Carvalho

O filme que mais me fez rir tem qualidades que decorrem da exploração de uma tendência fundamental do documentário brasileiro contemporâneo, discutida por  Cláudia Mesquita e Consuelo Lins em Filmar o real, que consiste na proposição de filmes-dispositivo, isto é, filmes em que a representação da realidade depende da elaboração de um conjunto de regras e da colocação em funcionamento, por um período de tempo pré-determinado, de um sistema de parâmetros para a produção das imagens. O dispositivo proposto em (Des)Conectada é apresentado no início do filme como um experimento a que a protagonista se dedicará: passar três dias sem celular, sem computador e sem acesso à internet; registrar com uma câmera de vídeo portátil alguns dos momentos do final de semana em que isso ocorrerá; comentar livremente o que acontecer em decorrência do experimento.

A concessão de câmeras aos sujeitos do documentário é procedimento recorrente na produção contemporânea, como atestam exemplos tão diversos como O prisioneiro da grade de ferro (2003), de Paulo Sacramento, ou parte do que se cria no âmbito do projeto Vídeo nas Aldeias. As imagens do filme são registros fabricados pelo sujeito do documentário, e nisso reside grande parte do interesse de (Des)Conectada, cujas imagens parecem compor um diário visual, embora tenham sido montadas e, portanto, transformadas pelos diretores (que operam alguns jump cuts, por exemplo, sem problematizar a necessidade do recurso). Porém, a premissa do experimento proposto é uma ideia de senso comum sobre nossa relação com as tecnologias digitais de comunicação, com a telefonia móvel e com a internet: a noção de que a suposta dependência crescente em relação à tecnologia conduz ao abandono de atividades em contato com quem está mais próximo, com a família, com a natureza. Essa premissa – que deve ser questionada, antes de tudo, por pressupor que a tecnologia é exterior à experiência que fazemos do mundo e por sugerir que essa experiência seria autêntica, enquanto a mediação da tecnologia a tornaria inautêntica – conduz a uma série de reflexões bastante triviais da protagonista do filme, que diz exatamente o que está previsto no dispositivo proposto, nos sentidos a que o experimento se refere em sua formulação inicial.

12. Meninos dos Olhos de Deus

Categoria: documentário
Direção: Katiuscia Silva e Tamara Garcia

Ao abordar a trágica situação de crianças que, depois dos sofrimentos a que estavam sujeitas em seus contextos de origem, vivem juntas no abrigo que dá título à obra, o filme obedece a códigos de ética sobre filmagem de crianças. Quando o casal que administra o abrigo é filmado diretamente, enquanto as crianças devem permanecer incógnitas, com rostos e outros traços de identificação fragmentados ou fora de quadro, a obediência ao código de ética reproduz, involuntariamente, uma hierarquia de vozes, em que os adultos se sobrepõem às crianças. Teria sido interessante pensar toda a encenação do filme a partir das condições dadas pelo código de ética, inclusive a encenação da entrevista com o casal. Dessa forma, a temática do filme teria repercutido também sobre sua forma, criando efeitos de sentido inesperados. Em vez disso, as experiências das crianças permanecem fragmentadas – suas vozes, o que narram e, sobretudo, as imagens que se produz delas -, enquanto a visão dos adultos recebe sua articulação completa, a que o filme está alinhado.

13. Goiânia, cidade alternativa

Categoria: documentário
Direção: Kássia Oliveira e Vanessa Perotoni

A conhecida “cena rock” de Goiânia é o assunto da conversa de bar entre integrantes de algumas bandas, registrada em Goiânia, cidade alternativa. A conversa ultrapassa os sentidos contidos no título do filme, cuja generalidade e imprecisão tendem a enfraquecer o documentário. As representações do cigarro e da bebida como signos do estilo de vida associado ao rock saturam as imagens e são resultado direto da escolha do espaço da filmagem, que é estranha num sentido que me parece ruim, pois introduz a discussão em meio a signos estrangeiros a ela, que não a transformam, não a enriquecem, não a complementam. Além disso, a reprodução de um discurso mais ou menos consensual, construído pelos participantes da conversa, empobrece o debate proposto pelo filme sobre o rock em Goiânia, sobre seu lugar em meio a outros gêneros musicais e estilos de vida, sobre as divisões internas que fragmentam a cena rock da capital goiana. O signo máximo desse empobrecimento me parece ser a nomeação de uma pessoa que não tem lugar de fala no filme e que se torna uma espécie de antagonista privilegiado, como se sua atuação fosse capaz de explicar os problemas apontados pelos participantes da conversa.

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É provável que minha memória tenha ocasionado algumas imprecisões, talvez mais de um erro grave, nos comentários que escrevi sobre os filmes da V Mostra Audiovisual da UEG. Caso você encontre algum problema na forma como descrevi planos, sequências e filmes, no modo como interpretei determinado aspecto ou narrativa, em qualquer parte do que escrevi, por favor, deixe sua opinião na caixa de comentários. Caso você seja diretor ou diretora de algum dos filmes comentados e sua obra venha a ser disponibilizada na internet (YouTube, Vimeo, Porta Curtas etc.), sinta-se à vontade para divulgar o link, também na caixa de comentários, que eu me encarrego de incorporar o vídeo no post.