Foram publicados hoje, 16 de maio de 2018, os anais do I Colóquio de Fotografia da Bahia (página arquivada). A Escola de Belas Artes da UFBA deu a notícia (página arquivada), que já está circulando nas redes também. Entre os textos, está aquele em que se baseou minha participação no evento. Reproduzo o texto a seguir, preservando itálicos e citações com recuo, arquivando, assim, o momento da pesquisa que ele demarca e incorporando as imagens mencionadas que foram retiradas dos filmes. Ao mesmo tempo, recomendo os demais textos publicados a quem tiver interesse em um amplo panorama da discussão atual no campo da fotografia.
Este texto foi desenvolvido dentro das atividades do projeto de pesquisa Imagem e direitos humanos (2017-2019), e sua publicação no incinerrante decorre do meu interesse em tornar público o processo de realização da pesquisa.
A imagem destacada no título acima é do filme Taego Ãwa (Henrique e Marcela Borela, 2015).
Ver junto: fotografia, cinema e as imagens que faltam do genocídio indígena em andamento no Brasil
Resumo:
Considerando que a reconstituição da história do genocídio indígena em andamento no Brasil depende da interrogação do arquivo de imagens de diferentes mídias que reúne alguns de seus traços e do reconhecimento do espectro das imagens que faltam, este ensaio aborda os filmes Serras da Desordem, Corumbiara e Taego Ãwa, diferenciando as instâncias do ato de ver junto que mobilizam, os modos como implicam e deslocam a matriz foto-ontológica da relação indiciária entre imagem e referente e as modalidades correspondentes da experiência do comum.
Palavras-chave: imagem, povos indígenas, genocídio, arquivo
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Title:
Seeing together: photography, film, and the missing images of the ongoing indigenous genocide in Brazil
Abstract:
Since reconstituting the history of the ongoing indigenous genocide in Brazil hinges upon the interrogation of the archive of images from different media which assembles some of its traces and the acknowledgment of the specter of missing images, this essay approaches the films Serras da Desordem, Corumbiara and Taego Ãwa, distinguishing the instances of seeing together which they mobilize, the ways in which they imply and displace the photo-ontological matrix of the index between image and referent, and the corresponding modalities of the experience of the common.
Keywords: image, indigenous people, genocide, archive
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Um dos motivos recorrentes das mais recentes abordagens audiovisuais da história dos povos indígenas no Brasil é a figura dos espectadores indígenas – por um lado, olhando para si mesmos; por outro; olhando para o mundo. Se, em diferentes filmes recentes que confrontam a história indígena, como Serras da Desordem (Andrea Tonacci, 2006), Corumbiara (Vincent Carelli, 2009) e Taego Ãwa (Henrique Borela e Marcela Borela, 2015), os cotidianos e as cosmovisões de diferentes povos indígenas do Brasil, assim como as evidências, os vestígios e os sentidos do genocídio em andamento de que são o alvo emergem, em parte, de um arquivo imagético que inclui fotografias pessoais e fotografias publicadas em jornais e revistas, desenhos e pinturas, gravações em filme e em vídeo etc., os sentidos desse arquivo são construídos, necessariamente, em relação à figura dos espectadores indígenas, que opera, de modo geral, como uma instância estrutural de mediação do olhar espectatorial.
A interpelação que cada filme endereça a seu espectador envolve a abertura de um espaço em que o arquivo de imagens se destina ao ato de ver junto, à experiência de uma partilha do olhar e da imaginação. Se ver junto é uma possibilidade estrutural constitutiva de qualquer ato espectatorial, isto é, se o espectador de uma imagem está sempre às voltas com a possibilidade de que outros espectadores tenham olhado, olhem ou venham a olhar para ela, a reivindicação do ato de ver junto em filmes que abordam a história dos povos indígenas implica um deslocamento transcultural da posição espectatorial e exige que cada espectador interrogue seu próprio olhar como parte do processo histórico. Este texto pretende explorar essa interrogação a partir da minha experiência espectatorial, por meio de uma abordagem ensaística assumidamente provisória, e deve conduzir ao esboço de algumas questões que será preciso desdobrar em outros textos.
1. Formas da hospitalidade
Um dos momentos mais complexos da tecelagem temporal de Serras da Desordem é aquele em que assistimos ao reencontro entre Carapiru e um grupo de camponeses. Por uma série de razões, este me parece ser o momento em que o filme revela seu jogo, os termos de sua poética e as condições de sua estética, implicando os diversos tempos de sua narrativa numa constelação de olhares, por meio da introdução da fotografia. A primeira parte do filme tinha sido dedicada à reconstituição da história de Carapiru, por meio da encenação de sua vida com outros índios em condição de isolamento, do massacre de seu grupo, atacado por fazendeiros, e de sua sobrevivência. Essa reconstituição do passado por meio da encenação chega ao fim no momento do primeiro encontro entre Carapiru e o grupo de camponeses. O índio Awá-Guajá, que fugira do massacre cometido por fazendeiros no interior do Maranhão, em 1977, teve seu primeiro encontro com os camponeses em 1988, no interior da Bahia, depois de escapar do massacre e de atravessar um longo périplo solitário (TONACCI, 2008, p. 107). No filme, a encenação do encontro recorda a violência do contato, sobretudo por meio da expectativa sugerida pela música percussiva, mas termina com o acolhimento de Carapiru e com uma expressão ambivalente de hospitalidade: sua nudez é recoberta pela roupa que recebe dos camponeses [Figura 1].
Quando as imagens em preto e branco que abrigam a encenação do primeiro encontro com os camponeses cedem lugar às imagens coloridas que registram o reencontro, vemos Carapiru e os camponeses se abraçando e conversando, apesar da incomunicabilidade que os separa, pois não falam a mesma língua. Na ausência de uma língua comum, são gestos e expressões faciais que tornam possível alguma comunicação, mesmo que precária, e são imagens fotográficas que vêm condensar, visualmente, a rememoração do encontro e do convívio: uma mulher, que se senta ao lado de Carapiru, traz fotos de quando eles estiveram juntos, no passado [Figura 2]. Entre a incomunicabilidade linguística, a comunicabilidade precária dos corpos e a inscrição do tempo nas imagens fotográficas, o filme revela a multiplicidade de tempos que se entrelaçam em sua trama.
Além de reconstituir uma narrativa que envolve o encadeamento de eventos – em linhas gerais: o massacre, a fuga, a sobrevivência, o encontro de Carapiru com os camponeses e a série de encontros que o sucedem, com agentes governamentais e com antropólogos, com outros índios, com seu filho (que descobriremos ter sido o outro sobrevivente do mesmo massacre) e com o cineasta Andrea Tonacci – Serras da Desordem entrelaça, funde e confunde os tempos dos eventos em sua própria tecelagem. O tempo do massacre e da sobrevivência de Carapiru assombra seu reencontro com os camponeses como uma memória incontornável, seja para os espectadores, seja para o índio que acabamos de assistir encenando seu próprio passado e fabricando, junto com Tonacci, imagens que suplementam as lacunas das imagens que faltam de sua própria história. O encontro inicial e o convívio que o sucedeu aparecem, agora, sob a forma de fotografias, enquanto o reencontro se inscreve no presente das filmagens. Carapiru e os camponeses tornam-se espectadores das fotos – que são evidências da hospitalidade com que o acolheram, no passado – diante da câmera que registra o reencontro e as rememorações que desencadeia, e o filme convida seu espectador a ver junto com eles. De fato, para compreender o que está em jogo em Serras da Desordem, será preciso reconhecer e interrogar os sentidos desse ato de ver junto, suas relações com diferentes aparelhos de imagem, como a fotografia, o cinema e o vídeo, e com o movimento entre imagens que condiciona a participação desses aparelhos no arquivamento da história.
2. Tempos do olhar
Na década de 1980, o advento das primeiras tecnologias de vídeo doméstico tornou possível ampliar as possibilidades do ato de ver junto, especificamente em contextos indígenas. Uma das características técnicas mais importantes do vídeo, nesse sentido, é a abreviação do intervalo de tempo necessário entre os momentos de captura e de visualização das imagens (a ponto de praticamente abolir qualquer intervalo em transmissões em circuito fechado e ao vivo). A abreviação do tempo necessário para que seja possível olhar as imagens gravadas facilitou, sobretudo a partir do surgimento do VHS, o que viria a se consolidar como uma das práticas mais importantes da antropologia visual, do documentário engajado e do vídeo comunitário: a devolução das imagens aos sujeitos representados. A ampliação das possibilidades do ato de ver junto que decorre da maior facilidade de devolução das imagens, após o advento do vídeo, conduz a dois efeitos fundamentais: por um lado, a extensão da demanda de devolução das imagens para o material que constitui o arquivo heterogêneo da história da dominação colonial dos povos indígenas; por outro, a reivindicação de que os próprios indígenas se tornem criadores e sujeitos da representação, além de sujeitos representados (isto é, objetos da representação, conforme a estrutura colonial) e de espectadores de suas representações (a partir da devolução das imagens).
É nesse contexto que deve ser compreendida a emergência de projetos como o Vídeo nas Aldeias, por exemplo. Referindo-se às filmagens entre os Nambiquara que resultariam no filme A Festa da Moça (1987), as quais constituem a experiência inaugural do que o projeto propõe, seu criador, Vincent Carelli (2011, p. 46), escreve: “O que interessava no vídeo era a possibilidade de mostrar imediatamente o que se filmava e permitir a apropriação da imagem pelos índios”. O ato de ver junto desencadeia a reinvenção da identidade indígena:
ao cabo de várias performances para ajustar a sua imagem, [os Nambiquara] resolveram realizar a cerimônia de furação de nariz e lábios, prática abandonada há mais de vinte anos. Foi uma experiência catártica, muito além das expectativas iniciais, que nos demonstrou o poder da ferramenta e do dispositivo. (CARELLI, 2011, p. 46)
De fato, a partir dessa experiência inaugural, rapidamente se estabelece, nas atividades do Vídeo nas Aldeias, “uma rotina de registro e exibição que se tornaria a metodologia central do projeto: o feedback imediato das filmagens e a autorreflexão sobre as imagens de si, que acompanhariam todas as produções posteriores” (MARIN & MORGADO, 2016, p. 91). A abreviação do tempo entre a captura e a visualização da imagem, que diferencia o vídeo da fotografia e do cinema, aparece como uma das condições técnicas de possibilidade do Vídeo nas Aldeias e de iniciativas afins, que vêm se desenvolvendo no Brasil desde o final da década de 1980, assim como uma das condições de possibilidade da forma de relação que se verifica, nesse contexto, com a história dos povos indígenas e com o arquivo de imagens que guarda alguns de seus traços. Com o vídeo (embora não de modo restrito a essa tecnologia, uma vez que seus efeitos se projetam sobre outras formas de imagem, como a fotografia e o cinema), o ato de ver junto se torna uma condição política relacionada a um movimento duplo de “apropriação da imagem pelos índios”, isto é, de apropriação das imagens e dos aparelhos de produção e de reprodução de imagens.
O ato de ver junto deve ser compreendido, a cada vez, em relação a diferentes níveis de pertinência, que podem ser associados, por sua vez, a diferentes modalidades da experiência do comum. Em primeiro lugar, é preciso circunscrever o comum do reconhecimento indígena, que está relacionado à construção, à atribuição e à reivindicação de identidades indígenas específicas. Aqui, a figura dos espectadores indígenas aparece diante de imagens fixas e em movimento que representam, de alguma forma, sua própria imagem, devolvendo-a na mesma medida em que a inventam como a imagem de uma coletividade, de uma comunidade. Ver junto é ver-se junto a si e aos seus, como quem se vê numa espécie de espelho. Os espectadores indígenas se tornam sujeitos de si, por assim dizer, reivindicando agência social e histórica, na medida em que veem juntos suas próprias imagens, sejam elas feitas por outros, sejam elas feitas por eles mesmos.
Efetivamente, as produções do Vídeo nas Aldeias e de iniciativas similares encontram seu impulso no posicionamento dos espectadores indígenas como espectadores de suas próprias imagens, mas o movimento que se desdobra a partir desse impulso exige o reconhecimento dos espectadores indígenas como espectadores do mundo. Nesse sentido, é preciso circunscrever, no ato de ver junto, o comum do pertencimento histórico a uma mesma época, que está relacionado a um movimento suplementar de inscrição da identidade (o comum do reconhecimento indígena e a “apropriação da imagem pelos índios” como “autorreflexão sobre as imagens de si”) numa teia de diferenças. O que está em jogo nessa outra modalidade da experiência do comum a que se articula o ato de ver junto é o processo de aparição das comunidades indígenas em meio a outras comunidades, com as quais partilham, entretanto, uma época, uma teia de relações e uma história. Aqui, o espectador indígena aparece como espectador do mundo, isto é, de imagens fixas e em movimento que representam o espaço intermediário da coabitação das comunidades e das alteridades, da pluralidade que define a condição humana, como argumenta Hannah Arendt (2007). Ver junto é ver-se junto a outros, e é a partir dos outros e de suas ações, da alteridade e de suas imagens irredutíveis ao mesmo, que se torna possível o reconhecimento de si e dos seus.
A relação entre o ato de ver junto como fundamento da experiência do comum associada ao reconhecimento da identidade indígena, de um lado, e como fundamento da experiência do comum associada ao pertencimento histórico a uma mesma época, de outro, é uma relação dialética, e os dois sentidos do ato convivem e concorrem nos mesmos filmes, alternando-se em sua predominância, a cada caso, a cada contexto. Entre uma modalidade e outra da experiência do comum, o ato de ver junto alcança seus efeitos mais profundos quando desloca as perspectivas estabelecidas e perturba as tendências dominantes. Quando o ato de ver junto desencadeia a reinvenção da identidade indígena, entre os Nambiquara, por exemplo, a experiência de se tornarem espectadores de si mesmos conduz os índios a um deslocamento de sua perspectiva coletiva em relação às práticas que definem sua identidade, perturbando a tendência dominante, naquele momento, de abandono da prática de furação de nariz e lábios. Quando o ato de ver junto desencadeia o reconhecimento do pertencimento histórico a uma mesma época, e os espectadores indígenas se tornam espectadores do mundo, está em jogo a possibilidade de deslocamento das perspectivas de construção da história.
3. Potências da falta
Qualquer tentativa de reconstituir a história dos oprimidos, de “escovar a história a contrapelo”, como escreve Walter Benjamin (1985, p. 225), permanece assombrada por imagens que faltam. Quando Andrea Tonacci reconstitui, em Serras da Desordem (2006), a trajetória do índio Carapiru depois do massacre que o separou de seu grupo da etnia Awá-Guajá, no final da década de 1970, o cineasta aborda a sobrevivência do índio por meio de imagens que preenchem as lacunas das imagens que faltam, sem, contudo, completá-las. As imagens que suplementam as lacunas, no filme de Tonacci, decorrem de três procedimentos fundamentais – a encenação, a montagem e o registro direto – cujos efeitos de sentido distribuem-se entre o passado e o presente de maneira instável e eventualmente indecidível.
Na trama do filme, a encenação predomina no trecho inicial da narrativa, nas sequências que reconstituem os momentos anteriores ao ataque, a execução do massacre, a captura de uma das crianças indígenas, a fuga e a sobrevivência solitária de Carapiru. A encenação instaura um regime de fabulação ficcional e cria um sentido de fechamento diegético, convertendo imagens filmadas no presente (as filmagens começaram em 2001) em representações do passado (os eventos encenados ocorreram a partir do final da década de 1970). Alguns restos do presente permanecem visíveis, contudo, impedindo o fechamento da diegese no passado encenado: olhares na direção da câmera, que recordam a presença do aparelho diante das pessoas filmadas; pequenos gestos paralelos, que confundem a intencionalidade ficcional da fabulação por meio da insinuação de fragmentos de espaço e de tempo que lhe escapam; sorrisos e posturas discrepantes, que interrompem o sentido dramático dominante na encenação. Por meio de um movimento que parte do presente para chegar ao passado, as sequências iniciais do filme encenam a trajetória de Carapiru entre o massacre, que ocorreu no Maranhão, em 1977, e o contato com os camponeses que o acolheram, que ocorreu na Bahia, em 1988.
Em sua singularidade, o massacre do grupo de Carapiru e sua trajetória como sobrevivente, que permaneceria inimaginável sem o suplemento da encenação, fazem parte de um processo histórico mais amplo, que a montagem de Serras da Desordem procura condensar, desde a sequência inicial em que predomina o regime ficcional de fabulação, por meio da articulação disjuntiva e descontínua de imagens de arquivo retiradas de filmes e gravações em vídeo, ao som de músicas que codificam alguns dos discursos e dos sentidos da construção da identidade nacional brasileira. Em parte, esse “inventário das imagens que forjaram a identidade (ou as identidades) do país”, como escreve Luís Alberto Rocha Melo (2008, p. 34), reúne “imagens-clichê que condensam uma época”, como argumenta Ismail Xavier (2008, p. 14): em suas superfícies, as imagens de arquivo tornam visíveis alguns traços de uma narrativa nacional persistente, que remonta à articulação da identidade nacional no período dos governos militares, e operam a contextualização da época diegética dos eventos narrados pelas imagens da encenação do massacre [Figuras 3 e 4].
Ao mesmo tempo em que as imagens de arquivo representam aspectos visíveis do processo de expansão da chamada sociedade nacional durante os governos militares, sua montagem parece aspirar à proposição de uma interpretação crítica de seu conteúdo. Dessa forma, a relação que estabelecem com as imagens da encenação do massacre não é apenas a de uma contextualização de sua época diegética, por meio da rememoração de alguns de seus clichês mais usuais e da visibilidade saturada que os caracteriza. Se as imagens de arquivo tornam visíveis, em suas superfícies, alguns clichês de época, a montagem que as articula perturba sua visibilidade saturada, deslocando seus sentidos habituais, tanto em sua relação entre si (num eixo de associações temáticas e conceituais que justapõe, com densidade e ironia, signos da expansão da fronteira agrícola, vislumbres da história política do Estado nacional, símbolos da identidade nacional, entre outras imagens de cinema e de vídeo) quanto em sua relação com as imagens registradas no presente, entre a encenação e o registro direto (num eixo que inscreve os sentidos do arquivo no deslocamento que os desestabiliza no presente).
A montagem disjuntiva e descontínua das imagens de arquivo delimita, igualmente, uma relação de tensão com a dupla herança constitutiva que o filme tenta perturbar a partir de dentro: a cegueira estrutural que afeta todo olhar estrangeiro à experiência indígena, cuja história se deseja tornar imaginável – a começar pela constelação que define o filme: os olhares de Tonacci, dos cinegrafistas Aloysio Raulino e Fernando Coster, da montadora Cristina Amaral e, de modo crucial, do espectador não indígena suposto pelo filme – e a opacidade que dela decorre – de que Carapiru é uma contundente evidência, devido a seu modo de aparição e, mais especificamente, ao fato de que suas falas permanecem incompreensíveis para o espectador, pois não são traduzidas.
Se Serras da Desordem decorre da busca de imagens que suplementam as lacunas das imagens que faltam da história de Carapiru e da história de genocídios indígenas em andamento no Brasil, a escolha de não traduzir as falas registradas de Carapiru – e, portanto, de não explorar seus possíveis sentidos, assim como o que ele poderia ter a dizer, talvez, se fosse instigado a isso – evidencia um dos limites dessa busca, a opacidade constitutiva que delimita seus efeitos. De certa forma, a opacidade de Carapiru e de suas falas reproduz, na trama de Serras da Desordem, um limite do modo de produção do filme e do processo de construção da narrativa, que Tonacci reconhece ao afirmar, em entrevista (2008, p. 117), que não houve qualquer discussão de roteiro com Carapiru, que o índio não participou da construção da narrativa, “só contou as coisas que aconteceram com ele” e se dedicou às filmagens, tendo sido, portanto, “a fonte e o ator” do enredo (TONACCI, 2008, p. 120). A escolha de não traduzir Carapiru evidencia a opacidade constitutiva do olhar do filme e é coerente com o investimento de Serras da Desordem no sentido de alteridade radical a que associa o sujeito indígena, condensado na frase: “o índio é uma outra humanidade”. Do limite a que esse sentido de alteridade radical está relacionado o filme retira seu impulso, fazendo da falta – das imagens que faltam, que o filme suplementa parcialmente, mas também da linguagem e da comunicabilidade que faltam, que o filme não confronta diretamente, mas intensifica – o combustível de sua interrogação da história.
4. Montagem anarquívica
Nas abordagens cinematográficas mais recentes da história indígena, a figura dos espectadores indígenas pode ser definida como o contracampo das imagens que arquivam a história. Eventualmente, como no caso da sequência inicial de Corumbiara (2009), que recapitula o início do projeto Vídeo nas Aldeias, os rostos indígenas sucedem as imagens que ocupam as telas de aparelhos de televisão, por meio de uma montagem que encadeia campo e contracampo. Entretanto, a condição de contracampo da figura dos espectadores indígenas se desdobra em um sentido metafórico que seria preciso reconhecer. Nessa deriva metafórica, o contracampo indígena define uma espécie de princípio espectral da poética cinematográfica e dos processos de construção dos filmes: os rostos indígenas operam, nesse sentido, como um contracampo virtual de todas as imagens, mesmo que não apareçam como contracampo efetivo na montagem ou no enquadramento.
Como contracampo espectral, a figura dos espectadores indígenas desloca as perspectivas de relação com o arquivo da história dos povos indígenas e da época que compartilhamos. Em Serras da Desordem, efetivamente, me parece ser o contracampo espectral de Carapiru, como metonímia do contracampo indígena, que instiga as formas de montagem do filme, isto é, sua relação de tensão interrogativa e de desestabilização projetiva com o arquivo da história e com as imagens que o habitam. Pode-se dizer que, além da encenação que suplementa o inimaginável do massacre e do genocídio em andamento com imagens inventadas, Serras da Desordem explora formas de montagem anarquívica, reinventando as imagens existentes da história, perturbando o princípio de organização que as arquiva (que as assimila à narrativa nacional), buscando deslocar seus sentidos e rasgar o véu de opacidade que estendem sobre a história do genocídio indígena. Em suma, Serras da Desordem articula encenação e montagem para suplementar as imagens que faltam do genocídio indígena com imagens inventadas, que tornam imaginável o que teria permanecido inimaginável, e com imagens reinventadas, que perturbam a herança da opacidade constitutiva da imaginação da comunidade nacional brasileira diante dos povos indígenas.
A produção da opacidade da imaginação nacional diante dos povos indígenas constitui um processo performativo que opera por meio da atualização e da reiteração cotidianas de uma violência fundacional que se prolonga como seu próprio apagamento. A fabricação do inimaginável articula o genocídio e seu esquecimento, os massacres e a destruição de seus rastros, vestígios e evidências. Nesse sentido, Corumbiara (2009) constitui uma contranarrativa da identidade nacional brasileira e decorre da busca das imagens que faltam do massacre de índios isolados que ocorreu na gleba homônima, situada em Rondônia, que foi denunciado pelo indigenista Marcelo Santos, em 1985. A reunião de evidências do massacre e, sobretudo, da sobrevivência de índios isolados na região é fundamental para o atendimento das reivindicações de proteção jurídica, o que impediria a continuidade dos atos de genocídio. Na década seguinte, é em torno do que Vincent Carelli denomina “impasse do índio do buraco” que se desdobra um dos momentos mais complexos da contranarrativa de Corumbiara, conduzindo a seu limite a busca das imagens que faltam.
No filme, ouvimos e vemos parte da conversa entre Vincent Carelli e Marcelo Santos, em 2006, e assistimos à tentativa de contato com o “índio do buraco”, ocorrida na década anterior. A recusa do contato é evidente, decidida e inegável, ao mesmo tempo em que a busca de imagens em vídeo da existência do índio exige que Vincent, Marcelo e o indigenista Altair Algayer (“o Alemão”) continuem insistindo, uma vez que, como diz a voz off de Vincent: “o índio só passará a existir legalmente se conseguirmos uma imagem dele”. A tentativa de registrar imagens de sua existência opera como uma forma de inscrever o “índio do buraco” na narrativa nacional brasileira, tal como esta é atualizada pelo aparato jurídico do Estado, e depende de um desrespeito ativo à recusa do contato que a atitude dele evidencia. O paradoxo se aprofunda quando o índio tenta atacar Vincent. “Ele só tentou me flechar por causa da câmera”, diz Carelli, que, logo depois, observa a ironia: “é a câmera que fez ele existir perante a Justiça”.
A relação da imagem de vídeo com o que ela representa é investida, aqui, com o sentido indiciário que define a ontologia da imagem fotográfica (BAZIN, 2014), entendida como um dos fundamentos técnicos e como um dos componentes matriciais do cinema e de vídeo, permitindo que o registro opere como uma comprovação de existência de seus referentes (DUBOIS, 1993). Ao mesmo tempo, em outros momentos de Corumbiara, a reconstituição das condições conflituosas do contato com os índios isolados envolve o recurso a imagens fotográficas e videográficas cuja relação indiciária com seus referentes se rarefaz em função do reconhecimento de sua situação de produção e de aparição, de um lado, e de seus modos de exposição e de circulação, de outro. As imagens do primeiro contato – produzidas com base num respeito ético pela decisão dos índios de fazerem o contato, conforme deliberação de Vincent, Marcelo, Altair e dois jornalistas que os acompanhavam – circulam, em seguida, no programa de televisão Fantástico [Figura 5] e em jornais [Figura 6] – nos quais são expostas de modo exotizante. O sentido indiciário parece prevalecer: “Diante das imagens, prova da existência dos índios […]”, afirma a voz off de Vincent, “a Justiça Federal decreta a interdição da área”. Entretanto, desdobra-se uma guerra de imagens, baseada na exploração da relação indiciária entre imagem e referente e na manipulação do modo de aparição dos índios como sujeitos fotografados [Figura 7]. Vincent continua:
Os fazendeiros, com seus advogados e deputados, montaram uma verdadeira operação para vender a versão dos índios plantados pelo Marcelo. Um ex-funcionário da FUNAI e três índios Cinta Larga vão até a aldeia, encontram a índia e sua mãe. Eles vestem as duas, posam para a foto que seria a prova da farsa. O jornal O Estado de São Paulo, que tinha dado o furo do primeiro contato, divulga a versão dos fazendeiros, e nunca nos deu direito à resposta.
Dessa forma, a associação entre a manutenção do investimento ontológico na relação indiciária entre imagem e referente, de um lado, e as intervenções sobre o modo de aparição dos sujeitos representados e sobre o modo de exposição de suas imagens que circulam nos meios jornalísticos, de outro, exige o reconhecimento de que a relação indiciária aparece dentro de uma situação relacional que a ultrapassa, e as imagens são expostas, a cada vez, em contextos de circulação que as ressignificam, configurando o que Ariella Azoulay (2008) denomina “contrato civil da fotografia”. Ao remontar as imagens que ele mesmo produziu e as intervenções a que elas e os sujeitos nelas representados estiveram submetidos nas imagens promovidas pelos fazendeiros, Carelli revela o caráter disputado do arquivo, assim como a subordinação estrutural de toda imagem potencialmente perturbadora em relação às perspectivas estabelecidas e às tendências dominantes da história (no caso, aquelas associadas à promoção da versão dos fazendeiros).
Para que as imagens de Carelli irradiem sua potência de perturbação e possam, dessa forma, operar como provas da presença indígena na área em disputa, no município de Corumbiara, não basta que apareçam como índices com base no respeito ético aos indígenas nela representados, é preciso que sua exposição e, portanto, que sua montagem seja realizada em tensão com sua captura arquívica. É preciso que Corumbiara as retire ativamente dessa captura arquívica, que favorece a reprodução da versão dos fazendeiros, devolvendo às imagens registradas por Vincent, por meio da montagem anarquívica que as articula no filme, não apenas a contundência de seu sentido indiciário (conforme a matriz foto-ontológica de que o vídeo é devedor), mas também sua pertinência situacional (conforme o “contrato civil”, o vínculo político que toda imagem estabelece entre os sujeitos envolvidos em sua produção e em sua circulação) e sua potência de perturbação do arquivo. A montagem anarquívica de Corumbiara, que revela o transbordamento do índice pela situação (no contexto de aparição da imagem) e pela montagem (no contexto de exposição da imagem), conduz, entretanto, a um paradoxo, que corresponde ao limite mesmo do vínculo político que está em jogo em imagens do contato, em geral, e em imagens produzidas em situação de contato recusado, em especial. É este o lugar que o “impasse do índico do buraco” ocupa na trama do filme: a recusa do contato, na situação e no tempo da filmagem, ainda na década de 1990, delimita e restringe o alcance do olhar, convertendo a tentativa de construção de vínculo político em violência, enquanto o modo de exposição e montagem das imagens do “índio do buraco”, no filme, procura interrogar a violência que as produziu.
O “impasse do índio do buraco” decorre da cegueira estrutural de todo olhar estrangeiro à experiência indígena. A recusa do contato inscreve a opacidade da história indígena para a perspectiva estabelecida da história nacional sob a forma de uma disputa em torno da própria visibilidade: o “índio do buraco” recusa a visibilidade e reivindica o que se pode reconhecer como um direito fundamental dos índios isolados, de modo geral, e potencialmente de qualquer sujeito indígena: o direito à invisibilidade e à não participação na narrativa nacional. Embora juridicamente impossível, irreconhecível e impensável da perspectiva do Estado, esse direito encontra um espaço civil e político de pertinência que Corumbiara é capaz de circunscrever apenas na medida em que o define negativamente, como um núcleo de opacidade no cerne do arquivo da história, cujas lacunas incluem, além das imagens que faltam em decorrência da fabricação do inimaginável realizada por meio de atos de genocídio e por meio do apagamento de seus rastros, as imagens que faltam em decorrência da eventual recusa indígena. Se, de modo geral, o contracampo espectral dos espectadores indígenas desloca os sentidos das imagens existentes e as reinventa, por meio de procedimentos de montagem anarquívica, o contracampo paradoxal do “índio do buraco” parece reivindicar o fim de todo arquivo e da própria possibilidade de arquivamento da história, recordando que, como escreve Benjamin (1985, p. 225), “[n]unca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”. Com base em Corumbiara, pode-se rescrever: nunca houve imagem que não fosse também violência – e toda história, inclusive aquela que se reconstitui a contrapelo, guardará alguma marca de um alinhamento com os vencedores.
5. Ontologia dos fantasmas
Nos filmes recentes sobre a história indígena e sobre os atos de genocídio perpetrados recentemente, no Brasil, contra povos indígenas, a ontologia da imagem fotográfica e das imagens derivadas de sua matriz indiciária, como o cinema e o vídeo, é indissociável de uma relação com os fantasmas, que Derrida (1994) talvez nos conduzisse a pensar como parte do que ele denominava, de modo intraduzível, “hauntologie”. A ontologia dos fantasmas suplementa, nos filmes, a ontologia da relação indiciária, que se desdobra em dois níveis: por um lado, em sua relação com a realidade, as imagens fotográficas, cinematográficas e videográficas mobilizadas pelos filmes constituem índices daquilo que representam; por outro, em sua relação com as outras imagens que compõem o arquivo da história, as imagens dos filmes constituem instâncias do que Jay David Bolter e Richard Grusin (2000, p. 45) denominam “remediação” [remediation], definida como “a representação de uma mídia em outra” [the representation of one medium in another].
O estabelecimento de relações entre imagens de diferentes mídias permite que os cineastas investiguem a história do genocídio das sociedades indígenas, o que os conduz a procedimentos de apropriação e de ressignificação de imagens previamente existentes. Assim, a remediação define uma parte crucial da relação ontológica dos filmes com a realidade e o mundo, além do realismo atribuído à fotografia, ao filme e ao vídeo como mídias representacionais. À representação da realidade se acrescenta a representação de imagens de outras mídias. Em Serras da Desordem, o reencontro entre Carapiru e os camponeses que o acolheram transcorre entre fotografias do primeiro contato entre eles, que operam num registro duplo: são imagens concretas diante de Carapiru e dos camponeses; são, igualmente, objeto espectatorial, que o filme incorpora.
É significativo que as imagens que desencadeiam o processo de realização de Taego Ãwa operem também nesse registro duplo, dentro da trama do filme: são imagens concretas devolvidas aos Ãwa (Avá-canoeiros) do Araguaia e imagens partilhadas com o espectador do filme. Além de fotografias e de documentos, o arquivo devolvido inclui registros em vídeo guardados em fitas VHS. O processo de realização do filme expandirá o arquivo com o acréscimo de outras imagens fotográficas, assim como de notícias de jornal e de revista, que visam à abordagem da história dos Ãwa do Araguaia, desde a violência do primeiro contato, em 1973, até a reivindicação de demarcação de terra, que continuava em aberto quando o filme foi lançado, em 2015. Assim, em meio aos registros que ancoram a exposição da história dos Ãwa, tal como é reconstituída com base nas vozes indígenas, o filme insere as imagens de arquivo, por meio de uma montagem anarquívica que se intensifica até inscrever as imagens, efetivamente, numa relação de campo-contracampo com o olhar indígena: os espectadores Ãwa assistem a uma projeção, e o que se revela como seu conteúdo é uma sequência que reúne imagens de autoridades políticas e religiosas intercaladas e imagens de índios retiradas de filmes de faroeste, sob uma trilha sonora de ruídos e de música que reenvia ao gênero, conhecido por suas relações com a violência genocida da expansão colonial sobre os povos indígenas, tanto nos EUA quanto no Brasil.
A montagem anarquívica da sequência do faroeste em Taego Ãwa deve ser compreendida em relação ao problema da relação entre ontologia do índice e ontologia dos fantasmas. De fato, a relação ontológica indiciária com a realidade explica parcialmente a importância da fotografia e dos aparelhos de produção de imagens técnicas que derivam do aparelho fotográfico, como o cinema e o vídeo, para a denúncia e para o trabalho de memória em torno de genocídios, de crimes contra a humanidade e de outros tipos de violações de direitos humanos que atravessam a história dos povos indígenas. É por comprovarem a existência de evidências de violação de direitos que, em diferentes contextos, as imagens fotográficas, cinematográficas e videográficas podem operar como parte de processos de reivindicação de direitos, como os direitos territoriais originários dos povos indígenas, que a Constituição de 1988 procurou assegurar. Ao mesmo tempo, como mostra a sequência do faroeste, diante das imagens que faltam dos mortos e dos desaparecidos, isto é, diante da impossibilidade do índice, a reinvenção de imagens pela montagem anarquívica busca tornar possível imaginar o inimaginável, dar forma imagética ao que teria permanecido esquecido.
Entre a ontologia do real que habita as imagens e a fantasmagoria que as assombra, a experiência de ver junto se torna uma experiência de partilha do olhar com os vivos (que são, em parte, sobreviventes) e com os fantasmas dos desaparecidos. Se Carapiru, como sobrevivente de um massacre, cuja voz permanece inacessível, uma vez que não é traduzida, representa a opacidade constitutiva de Serras da Desordem, os índios Awá-Guajá assassinados delimitam a nódoa de inimaginável que resta além da própria opacidade dos sobreviventes, o contracampo impossível que nenhuma tradução seria capaz de tornar acessível e que, entretanto, assombra a experiência do ato de ver junto produzida pelo filme. Em Corumbiara, por sua vez, o contracampo virtual a que pertence a figura dos espectadores indígenas interpela cada espectador a partir do limite demarcado pela recusa do “índio do buraco”, enquanto os mortos do massacre da gleba de Corumbiara pertencem ao contracampo impossível a que a narração de Carelli e a trama fílmica que ele compõe buscam fazer justiça. Em Taego Ãwa, por fim, o contracampo virtual do olhar indígena dá abrigo e impulso, ao mesmo tempo, à montagem anarquívica que permite imaginar, com as imagens que restam, o sentido das imagens que faltam, que permanecem, contudo, invisíveis e impossíveis.
A cada vez, o espectador de cada filme é interpelado a ver junto e a partilhar do olhar e da imaginação. O contracampo virtual em que se inscreve, em sua multiplicidade, a figura dos espectadores indígenas acolhe o olhar espectatorial, deslocando suas coordenadas e insinuando a possibilidade de uma experiência do comum que insinua o transbordamento do reconhecimento da identidade indígena e do pertencimento histórico a uma mesma época, uma experiência do comum que encontra seu fundamento contingente nas imagens e em sua hospitalidade aos olhares que se abrem para sua pluralidade. Aqui, qualquer espectador deve se situar em relação à interpelação de ver junto que define o modo de endereçamento dos filmes e seu uso das imagens fotográficas, cinematográficas, videográficas etc. que registram o genocídio indígena em andamento no Brasil. À partilha da identidade e à partilha da época deve-se acrescentar essa partilha precária da perspectiva, tanto em relação ao passado quanto em relação ao futuro.
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Uma resposta em “Ver junto”
[…] de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Ceará, este artigo retoma algumas reflexões anteriores sobre abordagens cinematográficas recentes dos genocídios indígenas que marcam a história do […]