Minha última aula presencial antes da suspensão das atividades da universidade por causa da pandemia de Covid-19, uma aula que na época era apenas chamada de aula, porque não havia qualquer dúvida sobre como ela ocorria, aconteceu em uma quinta-feira, 12 de março de 2020. Foram mais de dois anos sem isso que a gente se acostumou muito rapidamente a chamar de regime presencial. Eis que nesta terça-feira, 15 de março de 2022, eu tive a minha primeira aula que agora chamamos de presencial – como se essa especificação fosse razoável e livre de dúvidas – depois do início da pandemia.
Mais de dois anos depois, talvez na mesma sala (isso foi algo que não consegui verificar com certeza), certamente no mesmo prédio, a Facom no campus de Ondina da UFBA, eu tive a alegria de dar aula para uma turma mais uma vez imensamente heterogênea, e por isso rica e curiosa, e dessa vez era possível ver rostos, ainda que parcialmente cobertos por máscaras, e ouvir as vozes, finalmente, sem a mediação eventualmente intermitente das conexões instáveis de internet. Que experiência.
O computador não funcionou, então não pude mostrar qualquer imagem (e havia várias que eu tinha planejado mostrar, assim como tantas outras de que me lembrei enquanto falava ou escutava algum comentário). Mas isso não importa, ao menos não importou tanto e, em todo caso, não é algo que deve ser superestimado em sua importância. As imagens nos habitam, afinal, e nem sempre é pelo olhar que podemos reconhecê-las e pensá-las com a densidade que exigem, em sua complexidade, porque muitas vezes é na memória, no corpo ou na imaginação que suas energias, enquanto reverberam, devem ser interrogadas.
Dar aula em uma sala de aula é uma experiência singular a cada vez que se repete, e essa articulação disjuntiva entre a singularidade irreprodutível e a repetição modular define o que pode haver de mais interessante em um processo de estudo. Mas uma coisa pra mim parece ser inevitável: eu ando enquanto dou aula. Não paro quieto mesmo, indo e vindo entre minha exposição, a escuta de comentários ou dúvidas, a anotação de um nome ou termo relevante no quadro. Andei como não andava faz tempo, a ponto de ter sentido o esforço, com as pernas meio doloridas, talvez nem tanto, mas ainda assim sentindo, nas pernas, o que é dar aula. É isso, também: a gente dá aula com o corpo, mesmo que ele não seja parte do conteúdo ou foco da atenção. Não se trata de presença, simplesmente, mas de corpo e tempo compartilhado no espaço em que mais de um corpo – o mais de um – se faz encontro.