Categorias
1001 fotografias

A grande onda (1857), de Gustave Le Gray

As imagens que Gustave Le Gray realiza em Sète, na década de 1850, revelam uma disjunção no cerne do instantâneo fotográfico, que nasce como montagem.

A fotografia como arte da montagem temporal

Quando Jean-Baptiste Gustave Le Gray fotografou “A grande onda”, em 1857, o tempo de exposição necessário para a captação de uma imagem fotográfica já tinha deixado de ser tão prolongado a ponto de demandar um assunto estático. Aos poucos, o retrato posado, a natureza morta e a paisagem imóvel de montanhas ou planícies vão se misturando e dando lugar, na iconografia dos fotógrafos, a cenas do cotidiano, das ruas movimentadas das cidades, das paisagens fluidas diante do olhar sempre de passagem do flâneur ou do viajante.

A onda captada e capturada por Le Gray dá testemunho de uma capacidade que será fundamental para a disseminação que a fotografia atravessará no restante de sua história: a capacidade de eternizar o instante, o momento. O que parece se anunciar na onda de Le Gray é a transformação da fotografia numa arte do instantâneo.

Contudo, na série de fotografias que Le Gray realiza em Sète, entre as quais se encontra “A grande onda”, o problema do tempo não se reduz à exploração das possibilidades do instantâneo fotográfico. Le Gray precisou resolver o problema da adequação de tempos diferentes de exposição, necessários para o céu e para o mar.

Na série de Le Gray em Sète, para que a paisagem e o horizonte aparecessem com a mesma qualidade na impressão com albúmen que constitui a imagem final, foram necessários dois negativos diferentes (placas de vidro, conforme se começara a fazer com o processo do colódio úmido desenvolvido por Frederick Scott Archer a partir de 1851) que foram então impressos no mesmo suporte. Esse procedimento de duplo negativo não é evidente nem visível na tessitura superficial das imagens, permanecendo ocultado de forma reveladora em sua tecelagem profunda.

Nesse sentido, pode-se dizer que a emergência da fotografia como arte do instantâneo equivale paradoxalmente à re-velação – a ocultação reveladora, entre o revelar como retirar o véu, desvelar, trazer à luz e fazer visível, e o revelar como cobrir com um véu outra vez, esconder, recolocar na invisibilidade – da fotografia como arte da montagem temporal, da mistura de instantes e do que se poderia passar a escrever assim: movimento – deixando legível, sob rasura, o movimento entre momentos que sempre se inscreve no momento (mesmo o mais irredutivelmente instantâneo) de cada fotografia.