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O Cinema do Fim do Mundo no Egito

Um cinema abandonado no meio do deserto do Sinai. Uma história misteriosa que se revela, parcialmente, por meio de fotografias. Um enigma que persiste como um sonho estranho.

Se o cinema é uma máquina de sonhos, o Egito parece ser um de seus conteúdos recorrentes. Nos desertos que circundam as pirâmides e nas bordas vicejantes do Nilo, o olhar estrangeiro do aparelho cinematográfico encontrou, inúmeras vezes, fantasias e fantasmas para seu fascínio. Entre as entradas 381 [“Les pyramides (Vue générale)”] e 382 [“Descente de la grande pyramide”] do catálogo Lumière, que são vistas cinematográficas capturadas em 1897, e os filmes de múmias e suas narrativas em torno do Egito, que recriam suas paisagens com as tecnologias mais avançadas de efeitos especiais, seria possível reconhecer um intenso trabalho de sonho, em torno das paisagens egípcias, cuja interpretação resta, em grande medida, por fazer.

Quando o fotógrafo Kaupo Kikkas, nascido na Estônia e formado na Finlândia, encontrou um cinema abandonado no meio do deserto do Sinai, as imagens que capturou revelaram outras dimensões do trabalho de sonho cinematográfico que se desenrola em torno das paisagens do Egito. Essas imagens estranhas lembram cenários pós-apocalípticos de filmes de ficção científica e ecoam memórias de cidades-fantasma e de ruínas destruídas pelo abandono, pelo tempo ou pela catástrofe mais ou menos rápida de alguma intempérie.

O cinema no meio do deserto foi concebido – talvez fosse menos impreciso dizer: sonhado, fantasiado, delirado – por um “francês maluco” (crazy frenchman). Segundo Kikkas, depois de ter a ideia do cinema, esse homem anônimo, que talvez tenha o nome Dynn Eadel, “voou de volta para Paris e conseguiu algum dinheiro. Depois disso, ele foi para o Cairo comprar assentos antigos originais e equipamento de projeção de uma antiga sala de cinema. Então voltou ao Sinai, conseguiu um gerador de eletricidade e um monstruoso trator para puxar a tela, que era como uma enorme vela de navio. E agora tudo estava mais ou menos pronto para a estreia.” (Essa foi minha tradução do que Kikkas escreve em inglês em seu blog: “He flew back to Paris and arranged some money. After that he went to Cairo to buy original old seats and projection equipment from an old cinema theatre. Then came back to Sinai, arranged generator for electricity a monsterous tractor to pull up the screen that was like a gigantic sail. And now everything was more or less ready for the premier.”).

O texto contido num suposto folheto de divulgação do cinema no deserto vincula-o às atividades de turismo na região: “Com Seventh Art [nome dado ao cinema], Dynn Eadel tenta provar que o turismo não é necessariamente um elemento destrutivo”, como se pode ler na reprodução abaixo. Efetivamente, de acordo com essa ideia, o deserto se revela uma instância de relação com a natureza em novos termos. Mas o sonho do cinema no deserto não se realizou, segundo Kikkas: “Na noite de estreia, tudo ‘acidentalmente’ deu errado, seu gerador de eletricidade foi sabotado e nenhum filme foi projetado no Cinema do Fim do Mundo.” (“At the premier evening everything went ‘accidentally’ wrong, their electricity generator was sabotaged and no movies were ever screened at the End of the World Cinema.”).

Leia mais sobre o sonho de Dynn Eadel e o deserto como figura cinematográfica