Carta ao pai
Nos últimos dias ou semanas, por vários motivos me lembrei de Lavoura Arcaica, daquele discurso do pai que exalta o tempo e louva a paciência, da resposta de André, o filho ingovernável, dizendo que a impaciência também tem seus direitos.
Parece estar em jogo há alguns anos uma mudança na experiência do tempo, que a quarentena causada pela pandemia do novo coronavírus aprofunda ainda mais. Fala-se de aceleração e de velocidade faz tempo, mas a quarentena desloca esse regime, redistribuindo os tempos apressados ou suspensos das atividades.
Alguns paramos, reclusos nos múltiplos espaços domésticos convertidos em bolhas literais, enquanto mergulhamos ainda mais nas bolhas metafóricas das redes. Outros trabalham com ainda mais pressa, sob a enorme pressão da velocidade de propagação do vírus.
Entre um extremo e outro no continuum que se configura, entre a suspensão e a aceleração, revela-se o lugar comum do tempo perdido: tudo deveria ter sido feito antes, já que não há mais qualquer mínima certeza sobre um depois.
Dizem-nos que a paciência é necessária, virtuosa, fundamental, mas o que tem se revelado é que todos os chamados da voz do pai são insuficientes para assegurar o domínio do tempo sereno da esperança de superação do mal, uma vez que o desespero da impaciência é a condição da vida.
O desespero da impaciência se mostra como experiência originária do tempo, que é caos e imprevisibilidade, enquanto a paciência que tenta impor sua ordem se revela ilusória, uma aspiração estéril ao poder de controlar o mundo, a qual precisa da violência para se sustentar.
Só se enaltece a paciência por meio da sustentação de uma externalização constante da violência necessária para impor ao tempo os cálculos da previsibilidade. A impaciência não apenas tem seus direitos, como seus direitos são originários em sua contingência a-fundamental.
Carta à terra
É imprescindível diferenciar um pensamento lento, contrário à aceleração generalizada e refratário a todo tipo de conclusão apressada, de um pensamento adiado, isto é, uma recusa do pensamento em nome da incerteza ou da indefinição aparente.
Adiar o pensamento para esperar que, diante de um cenário de maiores certezas, seja possível pensar, é abdicar do risco, da urgência e do interesse de pensar sobre o que nos cabe viver e testemunhar, enquanto isso ainda é possível.
Por isso, pensar em meio à pandemia – o que não deve ser confundido com sempre pensar a/na pandemia – é um gesto desesperado, e não de espera ou esperança, e um gesto repleto de impaciência, embora se deva recusar a pressa.
Paciência nenhuma diante da catástrofe: jamais acreditar no tempo como te(le)ologia e cura dos males. Esperança alguma diante do chão que se perde: jamais delirar o voo quando tudo é queda. Contra isso, delirar a queda como possibilidade de retomar o chão e a terra.
Uma resposta em “Pensar impacientemente a queda”
Lembro-me sempre de Ortega Y Gasset, quando o assunto é o tempo: “Quem não espera, des-espera!”