Tango é um dos filmes mais impressionantes que já vi, tanto pela complexidade de sua execução quanto pela beleza de sua apresentação do problema da representação do tempo e do espaço como problema vital. Lembro de quando descobri seu drama demorado, seu ritmo cardíaco, sua potência sinuosa, como se me perdesse na vertigem dos movimentos de suas personagens, sempre prestes a esbarrarem umas nas outras, insuportavelmente próximas, ainda que inevitavelmente distantes.
A animação live action criada por Zbigniew Rybczyński em 1980 e realizada originalmente em 35mm tem cerca de 8 minutos, durante os quais opera uma espécie de máquina. O enquadramento fixo revela as ações de 36 personagens quaisquer, acumulando-se no espaço exíguo de um cômodo qualquer, conforme um arco ascendente e descendente que, de alguma forma, condensa as diferentes idades da vida, suas diversas possibilidades, seus incontáveis acasos, como se fossem peças e engrenagens de um dispositivo.
O desfecho decorre da interrupção do funcionamento mecânico da máquina e suplementa a evidência física da desaparição de suas peças e da paralisação de suas engrenagens com a encenação de uma espécie de encontro metafísico irrepetível entre a velhice e a infância. Depois de se deitar na cama que ocupa o espaço inferior direito da imagem, no que configura a primeira repetição de seu movimento cíclico no cômodo, uma velha senhora se levanta e busca a bola que vinha sendo jogada para dentro, pela janela, desde o início.
Se a bola constitui um símbolo da infância, uma vez que é repetidamente resgatada no interior do cômodo por um menino que pula a janela, seu papel na máquina de Rybczyński é, igualmente, o de elemento desencadeador dos movimentos cíclicos que a constituem. Ela é o primeiro objeto que inscreve seu movimento na imagem, como se desse impulso ao moto perpétuo que o filme parece representar, até certo ponto. Dessa forma, o encontro entre a personagem da senhora, que representa a velhice solitária, em sua segunda aparição, e a bola, que representa a infância, em uma de suas dezenas de aparições, é, ao mesmo tempo, um encontro entre a figura que evidencia a interrupção da máquina e o elemento que tinha desencadeado sua operação.
As idades da vida são, nesse sentido, os ciclos da máquina de Rybczyński, que é, efetivamente, uma máquina universal, ou uma representação do universo como máquina. Seus movimentos sustentam o equilíbrio instável da trama das imagens e da trama do mundo. Seu funcionamento produz uma ilusão de moto perpétuo que o desfecho do filme desloca, metaforicamente, do campo físico dos movimentos que se desenrolam no espaço para o campo metafísico da vida que se eterniza e se perde no tempo – e eternizar-se equivale, nesse caso, a perder-se.
No desfecho, a interrupção da máquina não é um evento que desencadeia o fim do mundo, embora se possa interpretar o encontro entre velhice e infância como metáfora da morte. Este talvez seja o lance esperançoso que confere ao desfecho de Tango seu sentido promissor: a metáfora do encontro prolonga o funcionamento da máquina universal que esse encontro parecia interromper. Há uma felicidade – ou, em todo caso, uma promessa de felicidade – na metáfora da morte como encontro entre infância e velhice: é a vida que se realiza plenamente, fechando seu ciclo, encerrando com alegria seu itinerário por meio do retorno a uma origem que permanece, contudo, diferida e deslocada.
(Não lembro bem onde, nem como, mas sei que Borges escreve em algum lugar sobre como talvez seja o acaso das ações de algumas pessoas aleatórias que impede o universo de se desintegrar. Para mim, é sobre isso que o belo Tango de Rybczyński fala.)