Toda pesquisa reabre as dimensões anarquívicas dos arquivos que as instituições que os preservam procuram conter ou neutralizar: (1) a dimensão da matéria, (2) a dimensão da seleção e classificação e (3) a dimensão do uso.
- Em meio aos protocolos recorrentes, ainda que variáveis conforme a instituição, e ao frequente requisito de uso de luvas e máscaras para manuseio dos documentos, uma das dimensões anarquívicas que se reabre a cada vez que alguém pesquisa em arquivos é a dimensão da materialidade: todo toque, por mais cuidadoso e protetor que seja, participa em alguma medida da desintegração entrópica de todo suporte, que é, afinal, inevitável: o papel que vai se desfazendo a cada dobra que se desfaz e se refaz, a tinta que vai se apagando na superfície opaca, a cor que vai se perdendo na película fotográfica ou cinematográfica, as formas que vão se desintegrando em toda parte. Mexer nos arquivos é contribuir para a decomposição e a destruição dos arquivos.
- Ao manusear a documentação, você também encontra recorrentemente os limites do conjunto (suas lacunas, isto é, o que ficou de fora, seja porque motivo for, no processo complexo de seleção que conduziu ao arquivamento) e da ordem que procura governá-lo (suas singularidades, isto é, o que escapa incessantemente das categorias que, no entanto, procuram enquadrar os documentos em classificações diversas). Estudar os arquivos é remexer, desordenar, revirar os arquivos.
- Ao usar os documentos que encontra na pesquisa, você faz algo que pode ter muitos nomes, mas provavelmente nenhum melhor do que remontagem. Por mais que procure respeitar sua integridade, caracterizar suas condições, fazer o que os historiadores chamam de crítica das fontes, descrever detalhadamente e analisar rigorosamente seu conteúdo, quando você usa os arquivos está sempre fazendo outra coisa, algo que um pouco de transbordamento e de perturbação, mas também de criação e de esquecimento. Usar os arquivos é remontar, recompor, reinventar os arquivos.