Nicole Brenez (tradução: Marcelo Ribeiro)1
Projeções. Provisórias. Provisões.
Antes, as imagens estavam no mundo.
Hoje, é o mundo que se banha em um oceano de imagens.
Nosso mundo real, material e único; tecido e transbordado por imagens reais, imateriais, numeradas (constituídas de números), inumeráveis.
Para observar o cinema contemporâneo é preciso inscrevê-lo no contexto desse exponencial aumento quantitativo e qualitativo da potência das imagens, interrogar o papel que ela desempenhou e continua a desempenhar.
I. OBSERVAÇÕES E CONSTATAÇÕES
As imagens técnicas invadiram o universo.
Hoje, dispomos de imagens de buracos negros. Elas se assemelham às mandalas criadas por James Whitney em seu Lapis de 1966.
Essas imagens resultam de tantas reconstruções/transferências/conversões/ interpretações/cosmetizações, que a exatidão técnico-científica não corresponde mais a nada além da chamada esfera “RAW”: aquela dos dados brutos, distinta da iconografia que se pode derivar deles. Existem, além disso, sites como Junocam ou Pluto Encounter, em que você pode se divertir trabalhando os dados coletados pela NASA de modo a convertê-los e transformá-los em imagens [imagerie].
A NASA se encarrega também de transformar esses dados em “filmes”, entre aspas.
– As imagens técnicas invadiram nosso cotidiano. Sem elas, as sociedades eletrônicas não podem mais funcionar, como cada um no Primeiro Mundo pode experimentar nesses tempos de pandemia. Entrelaçadas a todos os aspectos do nosso cotidiano, emissárias da matemática, as imagens não se parecem com nada, exceto o doce reverso de nossa ignorância. Compensação, garantia, adesão aos protocolos… nolens volens, e ao contrário nolens, elas nos acorrentam ao coletivo com mil laços, cada vez mais numerosos, apertados, atados.
– A cada nano-segundo, são produzidas mais imagens (de vigilância, de autocontrole, industriais, pessoais…) do que em toda a história que precede as pesquisas de Nicéphore Niépce. Quais imagens ou agregados de planos contemporâneos a história vai reter, de quais precisaremos, a quais amaremos?
– A cada nano-segundo, são difundidas mais imagens nas redes do que em toda a história até Nicéphore Niépce. A maior parte não é vista, ainda menos olhadas, menos ainda analisadas. Muitas são armazenadas segundo modalidades técnicas que nos asseguram que, muito rapidamente, elas não serão mais legíveis, nem mesmo consultáveis, ao contrário das mãos negativas rupestres, das quais as mais antigas já encontradas, em Borneo, datam de 51800 anos.
– Dentro dessa produção cada vez mais massiva e que até hoje parece tão ilimitada quanto incoercível (uma tal crença constitui, sem dúvida, uma das principais características/ilusões de nosso tempo), a que corresponde o cinema? À sua borda mais elaborada, sofisticada? A um resíduo de ambição estética? À existência de um estilo, mesmo não-intencional? A um corpus em vias de desuso? A uma série de catálogos sobre os quais especular (entenda-se: financeiramente)? Diferentemente dos fluxos incessantes de pixels e dos processos lineares de codificação, compressão, conversão, não estariam as operações mais específicas ao cinema relacionadas à montagem, confirmando as análises de S. M. Eisenstein, Dziga Vertov ou Orson Welles? E como, desde as grandes iniciativas de Guy Debord, Jean-Luc Godard, Harun Farocki, Hartmut Bitomsky, Michael Klier… o cinema se encarrega de seu próprio ambiente tecnológico e dos problemas que aí se manifestam? Os trabalhos atuais de Andrei Ujică, Lech Kowalski, Mauro Andrizzi, Bani Khoshnoudi, Lawrence Abu Hamdan, Jacques Perconte… parecem aqui particularmente preciosos.
– Um suporte de arquivo digital dura aproximadamente 5 anos; uma película analógica, em condição de conservação correta, aproximadamente 400 anos. Independentemente das virtudes plásticas da película, os cineastas preocupados com durabilidade, reparabilidade de ferramentas e patrimônio cultural se dedicam a prolongar a existência do analógico. Assistimos aqui a uma aliança objetiva inédita entre certos tenores da indústria estadunidense (Martin Scorsese, Christopher Nolan, James Gray, Robert Eggers…), que exigem filmar em 35, senão em 70mm; os cineastas experimentais, sozinhos ou mais frequentemente organizados em laboratórios e cooperativas, que filmam em 35, Super-16, 16 e Super-8; e os cineastas que criam intersecções entre essas duas esferas econômicas, tais como F.J. Ossang, Harmony Korine ou Yann Gonzalez. Todos eles se declaram movidos pela mesma perspectiva, que é ao mesmo tempo de bom senso e contrária aos interesses dos fabricantes de equipamentos determinados a favorecer a rotatividade e obsolescência. Permanecem sendo muitos os grandes artistas do analógico do século 21: Peter Tscherkassky, claro, cujo Train Again, diz-me Paul Grivas, foi o único filme projetado em 35mm na Quinzena dos Realizadores de Cannes em 2021; mas também Ange Leccia, Tacita Dean, Silvi Simon, que celebram não apenas a película, mas todos os instrumentos analógicos, câmera, projetor… transformados em jóias em suas instalações; ou, na encruzilhada exata dos cineastas industriais e experimentais, Jérôme Schlomoff, que é capaz de fabricar soberbas câmeras pinhole de 35mm. Em todos os casos, prática e defesa da película não são consideradas como retrógradas e nostálgicas, mas, ao contrário, prolépticas2 e responsáveis.
– O cinema é um dos lugares que nos permite refletir sobre as relações entre imagens técnicas (produzidas por tecnologia, matemática etc.) e imagens psíquicas: como as primeiras fornecem meios de representação para as segundas, como as segundas servem como perspectiva de futuro para as primeiras… as duas séries co-assinadas por Jean-Luc Godard e Anne-Marie Miéville, Six fois deux/Sur et sous la communication [Seis vezes dois/Sobre e sob a comunicação] (1976) e France/tour/détour/deux/enfants [França/via/desvio/duas/crianças] (1977), abrem um dos raros projetos maiores de interrogação sobre tais trocas epistemológicas. Existe ou existirá um equivalente no século 21?
– O espectro das práticas de imagens não para de se ampliar.
- Em uma das múltiplas extremidades do rizoma: a automatização generalizada, sem precisar mais de humanos para fabricar imagens em massa, sem precisar mais preparar ferramentas ou se preparar para utilizá-las, sem precisar mais ler manuais, meditar sobre um conteúdo, avaliar destinatários, nem mesmo circulação. Tudo está instalado, disposto, otimizado, dublado, securizado, armazenado, sem necessidade de qualquer olhar. Em uma outra das múltiplas extremidades do rizoma: equipes de cientistas durante décadas percorrem milhares de quilômetros para registrar a ínfima cintilação de luz que confirmará, para eles, a existência de um exoplaneta, por exemplo, Proxima b.3
- Em uma das extremidades: as plataformas que, tal como dragas gigantes, aspiram em massa não importa que corpus de imagens para comercializar sua consulta, por acaso incluindo aí belos filmes; em outra: as alegres e finas observações do curador esloveno Jurij Meden, que analisa ou inventa os gestos de exibição [monstration] mais experimentais possíveis, por exemplo, projetar alternadamente um rolo de 35mm de Over the Top (1987, Sylvester Stallone) e um de King Lear (1987, Jean-Luc Godard), até o fim dos dois filmes produzidos por Menahem Golan no mesmo ano, para uma sessão intitulada King Lear Over the Top Dedux.4
- Em uma das múltiplas extremidades do rizoma: os algoritmos que recomendam a consulta de imagens em função daquelas que você já viu; na outra extremidade: as proposições sui generis elaboradas por Luc Vialle na página La Loupe. Um Decamerão eletrônico, La Loupe constituiu uma das mais generosas, pródigas, desinteressadas e eficazes experiências coletivas de cinefilia, conduzida no decorrer do primeiro isolamento pandêmico generalizado. Durante 17 meses (março de 2020 a 12 julho de 2021), La Loupe permitiu a milhares de pessoas por todo o mundo (até 16000) trocar arquivos de filmes não comercializados, textos, ideias, informações e sugestões, em um espírito de descoberta efervescente. Em um instante, em um improvável espaço virtual, a história do cinema se torna não apenas mais “verdadeira” (já que em imagens e sons, de acordo com o vocabulário godardiano), mas também mais justa, já que, respeitando tanto quanto possível os direitos autorais, La Loupe honrou cineastas fora de comércio [hors-commerce], desconhecidos e esquecidos, que eram, portanto, frequentemente engajados, experimentais, marginalizados por diversas razões. Rivalizando expertises muito diferentes entre si, os administradores e membros de La Loupe renovaram os gestos de explicação e de partilha, nisso que reuniu espontaneamente as funções de uma cinemateca, de uma universidade, de uma casa de edição, de um escritório dos correios e de uma festa rave, realizando essas tarefas de forma voluntária e totalmente gratuita, portanto muito melhor. Cada cinéfilo, maravilhado por descobrir partes inteiras da história das imagens e por poder acessá-las imediatamente, quaisquer que fossem suas predileções, se viu enriquecido. Entre esses dons e gestos, que frequentemente pressupunham muito trabalho prévio, aqueles de Luc Vialle se destacavam por sua completude: eles ofereciam simultaneamente belos temas, vastos corpus de títulos raros, categorias originais, uma história, descrições, explicações e os arquivos dos filmes – como se, por magia, uma edição especial de Cinema, uma arte subversiva contivesse fisicamente o conjunto do corpus mencionado por Amos Vogel. O termo “curadoria” [curation], que é ao mesmo tempo cuidado, programação, limpeza (do imaginário), cura, por uma vez assumia todo o seu sentido.5
- Em um nexo do rizoma: o turnover das tecnologias de reprodução, a obsolescência programada, a dominação de alguns tristes arquétipos, o império das armaduras; no reverso desse nexo: a experiência La Clef Revival, que consiste em salvar a última sala coletiva de cinema de Paris, uma ideia do cinema e, através dela, uma ideia da existência humana. A associação Home Cinéma ocupa uma sala emblemática do Quartier Latin, La Clef, desde 20 de setembro de 2020. Aí se desdobra desde então uma das mais apaixonantes experimentações de cinema: programação, produção, publicação de obras, emissões de rádio, criação de uma revista… La Clef Revival é, ao mesmo tempo, um cinema em luta, um coletivo em processo, uma Zona de Imagens a Defender / Território de Imagens Ocupado [Zone d’Images À Défendre, em francês; Occupied Image Territory, em inglês], um conjunto de contra-ataques brilhantes contra o mundo administrado e um concentrado de tudo o que o cinema produziu de ideias emancipadoras. O pequeno povo cinéfilo não se enganou aí, pois uma campanha de fundos [collecte] para comprar o lugar muito rapidamente reuniu a considerável soma necessária, testemunhando que não se tratava do combate de um punhado de desesperados nostálgicos, mas da perpetuação dos ideais de liberdade e realização na cultura, em oposição às lógicas pauperizantes da indústria cultural – na linhagem da Comuna francesa, dos Diggers estadunidenses, dos Provos holandeses, da Autonomia italiana, de todas essas iniciativas populares revoltadas de onde renascem a arte e o pensamento.6
La Loupe, os laboratórios cooperativos e La Clef Revival se reduzem a ilhas incongruentes, temporariamente toleradas pela indústria cultural? Podem existir Clefs em toda parte, isso seria elitismo? É justamente o contrário. No dia em que a eletricidade é cortada, como em um Líbano destruído, restam apenas livros e fotogramas. Jérôme François ou Bob Dylan não estão errados, trabalhando para transpor fotogramas de cinema para telas de pintura. Fim do parêntese digital, a fotoquímica permanece diante de nós, bom dia, sr. Niépce.
– A grande questão que agita hoje o pequeno comércio concerne aos canais de difusão: salas físicas [salles en dur], plataformas eletrônicas? O cinema sempre viveu abalos sísmicos e metamorfoses tecnológicas, mas nunca foi aí que sua grandeza artística entrava em jogo. Aqui, dois fenômenos podem confrontar os cinéfilos.
Em primeiro lugar, nos sites piratas que oferecem os filmes antes mesmo de seu lançamento em salas, portanto ali onde os filmes a partir de agora circulam mais, a Política dos Autores (Politique des Auteurs) precipitada em direção às masmorras do esquecimento da história tecnológica, perdeu seu combate: as obras não são mais procuradas por nome de autores, como para escritores ou pintores, mas por título do filme e data. O nome do ou da cineasta não é nem palavra-chave, nem mais-valia, nem signo distintivo.
Mas, em segundo lugar, a digitalização em massa das obras protege e incrementa a visibilidade de obras outrora raras, se não inacessíveis. Nunca até o presente os cinéfilos tiveram um acesso tão facilitado ao corpus dos filmes engajados e experimentais, em versões certamente degradadas, mas que permitem ao menos a consulta. Essa acessibilidade crescente engendrará histórias mais justas e melhor informadas? Quero acreditar nisso, tenho certeza disso. Notemos aqui que o célebre site semi-pirata e não clandestino UbuWeb, obra de Kenneth Goldsmith, o feroz defensor da fórmula “piracy is preservation” [“pirataria é preservação”], pertence agora oficialmente ao patrimônio acadêmico, não apenas em sua forma eletrônica original, mas em forma de livro e de microfilme, já que, como todo mundo sabe por experiência, uma folha de papel possui mais longevidade que um arquivo digital. Qual é o futuro do mundo digital? O livro.7 Compreende-se por que o primeiro guardou prudentemente uma ancoragem na terminologia do segundo: “página”, “pasta”, “arquivo”, “portfólio” e até mesmo “placa gráfica” [carte graphique, termo que designa, em francês, o que em português se denomina placa de vídeo, estando associado à noção de grafia e, portanto, de escrita]…
– Desfrutando tanto de sua disponibilidade generalizada quanto de uma concepção cada vez mais refinada e extensiva de seu corpus e questões, o cinema oferece iniciativas historiográficas cada vez mais numerosas. Ele se descreve e se esculpe a si mesmo, se difrata, conforta e enriquece exponencialmente, na linhagem das histórias do cinema em si mesmo aberta por Marcel L’Herbier e Jean Epstein. Entre essas histórias reflexivas, muitos se dedicam a exumar imagens e eventos esquecidos, censurados, nunca vistos, como por exemplo Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi, John Gianvito, Hu Jie, William E. Jones, Susana de Sousa Dias, Mary Jirmanus Saba, Dónal Foreman…
– Ainda não há palavras suficientes para descrever os fenômenos do cinema. Por exemplo, se eu quiser escrever um texto sobre as inúmeras silhuetas registradas pelos filmes, o termo comum “figurante” permanece falacioso para o campo documentário, onde o corpo não significa nada além de si mesmo; e nomes devem ser inventados para seus diferentes estados plásticos, estatutos figurativos, modalidades de presença… Embora fundamental tanto antropológica quanto esteticamente, este trabalho ainda não foi realizado. Tais considerações incitam a pensar que, no que concerne ao cinema, tudo ainda está por ser elaborado.
II. QUAIS AS FUNÇÕES DAS IMAGENS NO SÉCULO 21?
– Desde o Renascimento ocidental, as imagens participam de um empreendimento científico, a conquista do visível e, em seguida, do invisível, que foi também difratada em conquista imperialista e colonial dos territórios físicos, tal como magistralmente compreendem, cada um de sua maneira e quase simultaneamente, Déjà le sang de mai ensemençait novembre [O sangue de maio já semeava novembro] (1982), de René Vautier, e Du Pôle à l’Équateur [Do Pólo ao Equador] (1986), de Angela Ricci Lucchi e Yervant Gianikian.
– No século 20, desenvolve-se abundantemente a reflexão crítica sobre as imagens. Seja para exaltar suas potências benéficas ou advertir sobre seus efeitos tóxicos, atribui-se a elas todas as propriedades, atributos, funções, papéis possíveis, nos campos do conhecimento, das transações sociais e processos psíquicos. Uma das fontes mais vivas surge dos escritos de Jean Epstein, em particular Le Cinéma du diable [O cinema do diabo] (1947, elogio do cinema como potência de desordem) e “Ciné-analyse ou poésie en quantité industrielle” [“Cine-análise ou poesia em quantidade industrial”] (1949, mutilação dos imaginários pelo cinema industrial).
Ora, o lençol freático que alimenta a fonte artesiana das reflexões de Jean Epstein tem um nome: Arthur Rimbaud. Relendo hoje as análises da escrita de Arthur Rimbaud por Jean Epstein, percebemos que são ricas em qualidades que Epstein transporá em seguida para o cinema que ele conclama e propõe [qu’il appelle de ses voeux]. Há exatamente cem anos, Jean Epstein publicava estas linhas na revista L’Esprit nouveau: “Poeta tão respeitoso da poesia que, em sua presença, não queria nem regras, nem leis, nem ciência, nem crítica, nem tradução, nem ordem, mas apenas a poesia que estremece nua em um cérebro; inteligente, demasiado inteligente, ele descobriu, curvado sobre si mesmo, a poesia da inteligência, a poesia das associações intelectuais, das compreensões repentinas, das iluminações, das pirotecnias em que trinta ideias de uma só vez flamejam, roncam, disparam, sussurram e perfumam; imagens que não fazem ver, mas descobrir, prever, antecipar e compreender; imagens cujo nó corredio fulgura e se abate, laço inesperado, sobre pescoços ainda intocados, imagens que ele nos dá, todas ferventes com uma longa liberdade; imagens nuas e, em última instância, novas; inventor que é o primeiro a usar atalhos, que borra as épocas, as datas, que as dobra e as desdobra como esses panoramas vendidos na Suíça perto dos mirantes, que inova em concisão, precisão e sugestão, que perfura o futuro e o presente em um só golpe, que ajusta a escritura ao pensamento, que coloca armadilhas e aí captura o momentâneo, o efêmero, o repentino, o móvel, o vivente; que descobre um ritmo novo, um pensamento, uma nova maneira de pensar; visionário, ele vê todas as relações, o milagre contínuo; pagão, ele não faz sacrifícios ao mármore, mas à vida; imprevisto, agudo, cortante, ele percebe correspondências, atribui som à cor, e cor à forma, e forma ao ritmo; ele quer uma palavra poética [un verbe poétique] acessível a todos os sentidos.”8
A fonte não secou. Mesmo hoje, o leito central do rio-cinema permanece o que, nos filmes, se mostra fiel à vida, aos mistérios de sua energia, em oposição às regras da existência socializada. Como humanos, nós estamos agora conscientes de que a humanidade, e em particular sua parte ocidental, provou ser a espécie mais tóxica, predadora e absolutamente louca do planeta Terra, ao ponto de destruir seu próprio habitat.
– Como cinéfilos, nós passamos agora a compreender que o cinema, filho do mundo industrial, representa um conjunto de despesas extravagantes de recursos naturais, despesas em sua maior parte inúteis e danosas para o imaginário. Enquanto nossa existência como espécie ameaça o conjunto do vivente, os filmes do século 21 investigam como o cinema pode se livrar de suas determinações antropocêntricas e industriais.
“Nature, the inexhaustible resource of encounters worthy of speechless communication” [em inglês no original; “A natureza, o recurso inesgotável de encontros dignos de comunicação sem palavras”], Fergus Daly inventa de fazer Abbas Kiarostami dizer, em uma excursão por um dos pontos centrais do cinema documentário, as ilhas de Aran.9
Como o cinema pode se mostrar à altura dos dilemas contemporâneos e se tornar novamente uma potência de vida? Por todo o mundo os cineastas exploram novas soluções, de ordem tecnológica, iconográfica ou simbólica – mas sem dúvida menos para salvar ou prolongar o cinema do que, mais obscuramente, para recolher imagens do vivente que durarão por mais tempo que o vivente e que, sem nenhum outro olhar sobre elas, povoarão uma terra inabitada, à maneira de estátuas ainda de pé em um deserto de areia.
III. O CINEMA E O VIVENTE
Um primeiro conjunto de soluções trabalha para rearticular o cinema e o vivente. Aqui, os cineastas:
- fabricam eles mesmos suas câmeras (Jérome Schlomoff), suas emulsões e películas (Robert Schaller, Alex MacKenzie, Esther Urlus, Lindsay McIntyre…)10;
- deixam as plantas realizarem fotoquimicamente seus próprios filmes (Karel Doing e seus ateliês fitográficos [phytographiques]);
- reciclam as películas já impressionadas no lugar de rodar novos filmes, frequentemente com resultados bem mais apaixonantes que seu material original (Kerry Laitala, Tony Cokes, Jayce Salloum, Yves-Marie Mahé…);
- repatriam o humano no campo do animal (Philippe Grandrieux, trilogia Unrest, 2012-2017);
- retratam paisagens, animais ou vegetais como outrora se monumentalizava os soberanos (Philippe Grandrieux, ainda, com L’Arrière-saison, 2007, Jayne Parker e seus retratos de amarílis, Silvi Simon e suas paisagens de grama ou pássaros, Scott Barley e seu universo noturno sem marcos, o coletivo mexicano Los Ingrávidos, Malena Szlam, Altiplano, 2018, Felix Blume coletando os sons do deserto, Luces del desierto, 2021);
- lutam pela preservação dos lugares ou pela restauração da diversidade do vivente (os filmes da associação L214, Tiane Doan na Champassak e Jean Dubrel, Jharia, une vie en enfer [Jharia, uma vida no inferno], 2014; François-Xavier Drouet, Le temps des forêts [O tempo das florestas], 2018, Jacques Perconte, Avant l’effondrement du Mont Blanc [Antes do afundamento do Monte Branco], 2021…);
- historicizam e politizam a apreensão das espécies (Anja Dornieden & Juan David González Monroy, Her Name Was Europa [Seu Nome Era Europa], 2020);
- experimentam a hipótese de uma escuta animal (Zélie Parraud, Promenades [Passeios], 2020);
Seus filmes erguem preces ao vivente (Wolfgang Lehmann, Birds by the Sea [Pássaros no mar], 2008), hinos à catástrofe (Artavazd Pelechian, La Nature [A Natureza], 2019), dançam com a chuva e o trovão (Cecilia Bengolea, Lightning Dance [Dança Relâmpago], 2018).
Tais artistas relegitimam o cinema como arte e artesanato, em um universo em que o lugar do humano corresponderia àquele que lhe atribuía Amos Vogel desde 1974 na introdução de Film as a Subversive Art. “Talvez seja preciso então tomar coragem e, em um rompante de orgulhosa humildade, reconhecermo-nos como o que somos no cosmos: primitivos, periféricos, temporais; aqueles que chegaram tarde, movidos por um impulso teimoso em direção a grandes realizações e uma espetacular maldade, lutando para dar conta do recado em um lugar que mal se percebe em uma galáxia insular comum. E talvez o cosmos seja apenas um átomo em algum inimaginável super-universo, e sejam elétrons as galáxias de mundos microscópicos além do reino da compreensão.”11
IV. CONSTRUTIVISMOS, DE NOSSO TEMPO
Um segundo conjunto de soluções consiste em desnudar os funcionamentos das imagens contemporâneas: para explicá-las, desdobrá-las, relativizá-las, historicizá-las, desviá-las. As obras fundamentais de William E. Jones (passim), Marine Hugonnier (passim), Bani Khoshnoudi (1968: A Blind Archive [1968: Um Arquivo Cego], 2014, The Silent Majority Speaks [A Maioria Silenciosa Fala], 2018), Sebastian Wiedemann (Los (De)pendientes [Os (De)pendentes], 2016), Mohanad Yaqubi (Off Frame AKA Revolution until Victory [Fora de Quadro, vulgo Revolução até a Vitória], 2016), Mary Jirmanus (A Feeling Greater than Love [Um Sentimento Maior do que o Amor], 2017), Nika Autor (Newsreel 63 – Train of Shadows [Atualidade 63 – Trem de Sombras], 2017), Billy Woodberry (Marseille après la guerre [Marselha depois da guerra], 2015, A Story From Africa [Uma história da África], 2018), Carlos Adriano (O que há em ti, 2020) – corpus certamente não exaustivo – dão continuidade às análises visuais fundadoras de Al Razutis, Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin, Harun Farocki, Hartmut Bitomsky, Andrei Ujică ou Tacita Dean. Elas criam vários capítulos e aberturas para uma história crítica em que a massividade e a complexidade das práticas de recobrimentos, censura, ausentificação, repressão [refoulement] e mesmo assassinato (William E. Jones, Killed [Morto], 2009) demonstram que toda imagem, como tema [sujet] plástico, consiste em uma dialética estruturante entre campo e fora-de-campo, latente e patente, visível e invisível, ao mesmo tempo que, como objeto histórico, ela sempre confrontará os códigos do que pode ser recebido e olhado e do inteligível, que às vezes a mergulham em abismos escuros.
Um filme capta em sua raiz todo um conjunto de imagens e dilemas contemporâneos, descrevendo como uma Inteligência Artificial apreende, codifica, restitui e comenta os fenômenos mais trágicos e complexos: A.I. at War [I.A. em Guerra], de Florent Marcie (2021).
O princípio do filme consiste em confrontar Sota, um pequeno robô construído na Malásia, com teatros de guerras mal terminadas que Florent Marcie conhece bem, por tê-las filmado e fotografado por muito tempo: o Afeganistão e a Síria. O que é que uma I. A. compreende e transmite de uma situação de caos, de destruição e de morte? Com Sota, Florent Marcie narrativiza a maneira como alimentamos os algoritmos de reconhecimento, ou seja, o que um dia constituirá o fundo de nossa própria apreensão dos fenômenos, a arquitetônica de nossas experiências. “Filmar uma situação trágica na companhia de um robô que também filma e dá sua opinião permite se destacar da atualidade e da análise geopolítica, se libertar de certos códigos, transgredir inocentemente. A perspectiva se torna mais histórica, mais universal, mas também mais subversiva. A subjetividade inocente do robô amplia a perspectiva da espécie humana com um toque de trágico-burlesco.”12
A.I. at War oferece uma atualização de Alemanha ano zero (1947, Roberto Rossellini): percorrer as ruínas de Mossoul e de Rakka na companhia de Sota, como outrora aquelas de Berlim na companhia de Edmund, nos obriga a olhar para elas de modo novo, na extensão de seu horror e de seu absurdo, e a refletir sobre suas condições de possibilidade, e portanto sobre nossos atos, convicções, crenças. “O que é a realidade?”, “o que você vê?”, “você pode morrer?”, “por que você está vivo?”: o caráter infantil do protagonista em processo de aprendizagem permite colocar questões simples e fundamentais, às quais ele responde de maneira às vezes complexa, às vezes irônica, às vezes sublime. “Qual é o sentido da sua vida?”, “Desconhecido. Não é um problema não saber. Adoraria saber mais sobre isso.” Mas, se Edmund é poroso à influência de seu professor nazista, Sota não é totalmente inocente, uma vez que ele provém de uma tecnologia nascida no fim da Segunda Guerra Mundial, a optrônica, da qual derivam também os sistemas de controle remoto que permitem que os mísseis atinjam seus alvos. Como Edmund, Sota nos envia notícias dos infernos muito concretos que somente o humano é capaz de criar na terra e nos mostra como os agentes de um sistema se tornam vítimas desse sistema.
Instrumento científico, brinquedo, câmera, companheiro, criança, revelador, intercessor, objeto transacional, isca, fetiche, emblema, laboratório, centro de documentação, lanterna mágica, nova forma de personalidade, Sota nos ensina que nós também, diante de uma imagem ou de um fenômeno, faríamos bem em começar nossas frases com: “Creio que as probabilidades do que vejo são…”, versão numérica do gênio maligno cartesiano, que nos incita a duvidar de tudo.
Como toda a obra de Florent Marcie, A.I. at War nos mostra o que um indivíduo por si só pode agora realizar em imagens e sons em uma situação histórica perigosa. Em contraste ainda com os planos de abertura em Alemanha ano zero, de Berlim em ruínas (capturados de um carro), Florent Marcie filma os planos aéreos de Mossoul destruída por meio de um drone. A realização desses planos espetaculares terá suposto um trabalho de hacking de forma auto-didata. “Na Síria ou no Iraque nós estamos em no-fly zones: você não tem o direito de pilotar um equipamento de voo. Concretamente, para um drone, isso consiste em bloqueá-lo: quando é ligado, ele se localiza por GPS, e está integrado em sua programação que ele não pode decolar em uma no-fly zone. (…) Entrei no código-fonte do drone e modifiquei as linhas da no-fly zone, mas também da altitude de voo autorizada – legalmente são 500 metros, mas eu posso aumentar para 3000 – ou a velocidade de deslocamento.”13
Com esses planos aéreos, contrariamente aos establishing shots comuns, não se trata somente de descrever Mossoul, nem mesmo um teatro de guerra contemporâneo, em geral. “Achei interessante a ideia de um espírito que paira sobre nós. Não é só uma questão da visão que o drone oferece: a inteligência artificial é uma tecnologia que passa pela cloud, isto é, pela nuvem. A I.A. representa, assim, uma forma de espírito flutuante.”14 A abertura de A.I at War é emblemática da esfera tecnológica que torna possível tais imagens, nos envolve por todos os lados, aparelha nossa apreensão e agora estrutura nosso entendimento.
V. O ESPECTRO DOS DEVIRES
Entre as questões que Jean-Luc Godard trabalha há dois anos, retorna frequentemente esta: “o que pensou Nicéphore Niépce quando ele conseguiu sua primeira foto a partir de sua janela?”. Uma das respostas menos ruins seria que, precisamente, Niépce não pensou nunca que tinha inventado a fotografia, porque ele considerava que suas produções heliográficas permaneciam absolutamente insatisfatórias em relação às suas próprias expectativas e ideais. Niépce morreu em 1833, persuadido de que tinha fracassado. O cinema procede conforme essa dinâmica niépciana: sempre a inventar. É por isso que podemos jogar com seus devires, como ele mesmo jogou com os nossos, e esboçar para ele algumas trajetórias evidentemente compossíveis, à maneira dos mundos de Auguste Blanqui.
1. Devir atestado
As artes fílmicas ainda requerem espaços e ferramentas específicas, cada vez mais numerosas, cada vez mais miniaturizadas, cada vez mais intrusivas, com as quais os seres vivos exploram qualquer objeto e se exploram cada vez mais a si mesmos.15
Nada mais escapa à identificação nem ao controle.
Seja para vigiar os gestos reais ou domar os imaginários, os dispositivos fílmicos se revelam os melhores aliados do mundo totalitário, mais poderosos do que qualquer arma letal.
Alguns combatentes da resistência dispersos pelo mundo trabalham arduamente para realizar belos filmes, dignos de Arthur Rimbaud ou Stéphane Mallarmé.
ARQUEOLOGIA
- O “sistema Bertillon”, ou antropometria criminal.
- Hildebrands Deutscher Kakao, Verbesserte Röntgenstrahlen im Jahre 2000 [Raios-X aprimorados no ano 2000], 1900.
PROLEPSES CONTEMPORÂNEAS
Emprestamos o uso desse termo ao cineasta e teórico Edouard de Laurot: por “cinema proléptico”, de Laurot entendia aquele que, no presente, procura e cultiva os germes de um futuro mais justo. Entre outros, Mostafa Derkaoui desenvolveu uma concepção similar em De quelques événements sans signification [De alguns eventos sem significação] (1974).
2. Futuro provável
Não há mais equipes humanas para criar os filmes. Aparelhos instalados nos espaços públicos ou privados, capazes de criar imagens de todos os formatos e todas as plásticas, funcionam de modo permanente, sem roteiros ou com roteiros gerados por I. A. alimentadas por algoritmos. Mas esses algoritmos foram alimentados apenas com o chorume infame despejado por plataformas industriais.
Em todas as partes do mundo, às vezes reunidos em torno dos restos de cinematecas ou das ruínas de antigas salas de cinema, alguns grupos de resistência preservam a memória das artes e persistem na produção de contra-histórias, por vezes falando uns com os outros antecipadamente. Por mais lúcidos e contestatários que sejam seus filmes, os Estados totalitários não os consideram mais perigosos do que os amuletos produzidos em série por seitas esquisitas. Os cineastas sabem disso, mas filmam para transmitir o máximo possível de informações, sonhos e signos afetuosos às gerações futuras.
ARQUEOLOGIA
- A alimentação forçada de gansos no sudoeste de França.
- Holger Meins, Ulrike Meinhof, Nagisa Oshima, Koji Wakamatsu, Masao Adachi, Aloysio Raulino, Alan Clarke, Peter Watkins, Sidney Sokhona (lista não-exaustiva)
PROLEPSES CONTEMPORÂNEAS
3. Futuro possível
Não há mais ferramentas para criar os filmes. Nanopulgas são implantadas nos nervos óticos dos seres vivos e lhes enviam doses de imagens e sons à vontade. As escolas de arte se integram às academias de medicina e aos hospitais, e aí se ensina a posologia das imagens. Os textos de Antonin Artaud sobre o cinema não são mais considerados divagações, mas manuais.
Muitos combatentes da resistência recusam a implementação, passam para a clandestinidade e persistem na criação das imagens e dos sons com antigos instrumentos, conservados ou criados do zero.
ARQUEOLOGIA
- Cromatropo, 1860.
- Émile Cohl, Les lunettes féériques [Os óculos mágicos], França, 1909.
- Ossama Mohammed, Khutwa Khutwa, Síria, 1978.
- Robert Kramer, Ghosts of Electricity [Fantasmas da Eletricidade], França-Suíça, 1997.
PROLEPSES CONTEMPORÂNEAS
4. Futuro desejado
Paramos de pensar no cinema em termos de ferramentas e comércio. Voltamos ao conteúdo, às questões em jogo, dedicamos aos filmes a mesma atenção que damos aos afrescos rupestres ou à menor flor tecida na tapeçaria da Dame à la Licorne. É considerado como filme todo encadeamento de imagens em movimento e como evento maior todo desencadeamento de sentido. O espectro das formas não deixa de se ampliar, de repente o cinema se revela tão rico formalmente quanto a poesia, a música, a biosfera.
Às vezes, antes de criar uma imagem, os criadores de filmes experimentam a necessidade de reler Heráclito, Hesíodo, Flora Tristan, James Joyce, Les Cantos Pisans ou F. J. Ossang.
ARQUEOLOGIA
- Bruno Corra, L’arc-en-ciel [O arco-íris], La danse [A dança], filmes pintados, 1912.
- Blaise Cendrars, La fin du monde filmée par l’Ange N.-D. [O fim do mundo filmado pelo Anjo Notre-Dame], Éditions de la Sirène, ilustrações de Fernand Léger, 1919.
PROLEPSES CONTEMPORÂNEAS
5. Futuro libertado/delirado [déli(v)ré]16
O mundo se torna uma permanente explosão festiva de cores, sons, imagens materiais e imateriais. A cada esquina, a cada terreno baldio, alguém pode se divertir esculpindo agregados de imagens móveis como se esculpe sons com o teremim. Nossas psiquês e nossos bolsos transbordam com ícones e sons, nós brincamos/jogamos com eles a todo instante, sozinhos ou em conjunto. Os vitrais das catedrais e suas reinterpretações por Stan Brakhage ou Téo Hernandez são ensinados no jardim de infância. A vida é libertada de toda medida quantitativa e passa a ser esquadrinhada apenas pelo movimento do sol. Ninguém mais sabe onde se coloca o “h” de “algorithme”. A matemática serve apenas para preservar o vivente.
ARQUEOLOGIA
- A pirotecnia, China, segundo século a.C.
- O Domo geodésico de Ken Kesey, EUA, 1968.
- Vladimir Vissotsky, Derek Jarman
- José Antonio Sistiaga, Impresiones en la alta atmósfera [Impressões na alta atmosfera], País Basco, 1989
PROLEPSES CONTEMPORÂNEAS
Para Robert Fenz (1969-2020), Rest In Revolt
O texto aqui traduzido foi publicado originalmente em francês na revista Sabzian. Para esta versão em português, também foi consultada a tradução para o inglês feita por Sis Matthé. Se preferir, você pode assistir ao vídeo em que o texto é lido, com legendas em português, aqui. ↩
N.T.: Mais abaixo, Brenez explicita a referência que, certamente, está em jogo no uso deste adjetivo: o conceito de “cinema proléptico” de Edouard de Laurot. ↩
É o método dos trânsitos ou ocultação. Como tantos outros, esse trabalho de campo está sendo substituído pela I.A. (https://www.unige.ch/communication/communiques/2021/decouvrir-des-exoplanetes-grace-a-lintelligence-artificielle/ – consultado em 22 de novembro de 2021). ↩
Na Cinemateca de Ljubljana. Jurij Meden, Scratches and glitches. Observations on Preserving and Exhibiting Cinema in the Early 21st Century, Vienne, FilmmuseumSynemaPublications, 2021. ↩
Cf. a proposição de Luc Vialle sobre as sexualidades, postada em 15 de abril de 2020, republicada em Sabzian no dia 23 de dezembro de 2021. ↩
« Ultimately these video and audio samples will accompany the printed or microfilmed version of UbuWeb as a set to be donated to Colorado College, who have offered longterm care of the item as part of their special collections related to the “future of the book ». [“Finalmente essas amostras de vídeo e áudio vão acompanhar a versão impressa ou microfilmada do UbuWeb como um conjunto a ser doado ao Colorado College, que ofereceu cuidados de longo prazo para o item como parte de suas coleções especiais relacionadas ao ‘futuro do livro’.”] (página consultada em 21 de novembro de 2021). Cf. também Agnès Peller, Ubuweb de Kenneth Goldsmith, un geste artistique dans les Humanités numériques [Ubuweb de Kenneth Goldsmith, um gesto artístico nas Humanidades digitais], sob a direção de Nicole Brenez, Paris, la Sorbonne nouvelle, 2014; e Kenneth Goldsmith, Duchamp Is My Lawyer: The Polemics, Pragmatics, and Poetics of UbuWeb [Duchamp é meu advogado: as polêmicas, pragmáticas e poéticas de UbuWeb], Columbia University Press, 2020. ↩
Jean Epstein, « Le phénomène littéraire » [O fenômeno literário], L’Esprit nouveau, no. 13, 1921. Também em Écrits complets 1917-1923, vol. 1, Éditions de l’œil, Paris, 2019. ↩
Fergus Daly, The Mirror of Possible Worlds [O espelho dos mundos possíveis], 2020. ↩
Cf. Noélie Martin, Ethnographie d’une pratique filmique actuelle : la fabrication des émulsions artisanales [Etnografia de uma prática fílmica atual: a fabricação de emulsões artesanais], sous la direction de Patricia Falguières, Paris, EHESS, 2016. ↩
Amos Vogel, Film as a Subversive Art, New York : Random House, 1974. Tradução livre. Texto original: “Perhaps, then, we must take heart and in an outburst of proud humility, recognize ourselves for what we are in the cosmos : primitive, peripheral, temporal ; late arrivals, with a stubborn drive towards great achievement and spectacular evil, struggling to make ends meet in a barely noticeable location in an ordinary island galaxy. And perhaps the cosmos itself is merely an atom in some unimaginable super-universe and electrons the galaxies of microscopic worlds below the realm of comprehension.” ↩
« Filming a tragic situation in the company of a robot that also films and gives its opinion allows us to take off from current events and geopolitical analysis, to free ourselves from certain codes, to innocently transgress. The perspective becomes more historical, more universal, but also more subversive. The innocent subjectivity of the robot broadens the perspective to the human species with a twist of tragico-burlesque. » Entrevista a Thibault Elie, material de imprensa, 2021, republicado por Sabzian, em 22 de dezembro de 2021. ↩
Florent Marcie, em Elie Thibault, Florent Marcie sur le front de l’information : combattre avec le cinéma [Florent Marcie no fronte da informação: combater com o cinema] (manuscrito inédito, a ser publicado). ↩
Ibidem. ↩
N.T.: O verbo que traduzi como “exploram”, em francês, é harnachent, do infinitivo harnacher, que tem entre seus sentidos mais literais o que em português descrevemos como o ato de “arrear” ou “selar” (um cavalo, por exemplo), incluindo ainda outros sentidos, como “equipar”, “aproveitar”, “adornar”. Na tradução do texto de Brenez em inglês, o verbo se converteu em rig out, que se aproxima mais, a meu ver, do sentido mais literal de harnacher, mas me parece que Brenez está interessada (também) em sentidos mais metafóricos, de modo que harnacher pode se aproximar, assim, do inglês to harness, chegando a ideias como “aproveitar”, “explorar” ou mesmo “dominar” ou “controlar”, em português. É nessa nebulosa de sentidos que o trecho deve ser situado, a meu ver, e dentro do contexto em que se insere a argumentação de Brenez a melhor opção me pareceu ser “explorar”, que permite o jogo com a inflexão reflexiva do verbo, que aparece em seguida na frase: s’harnachent, “se arreiam/exploram”. ↩
N.T.: Brenez cria um jogo de palavras por meio da colocação da letra “v” entre parênteses e, assim, tornando legíveis duas palavras: délivré – isto é, libertado – e déliré – delirado. ↩