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As configurações poéticas pelo cinema: descolonização e cosmopoética

Entre 22 e 26 de fevereiro, aconteceu o Congresso Virtual UFBA 2021, que incluiu o Ciclo de Cinema e Audiovisual da Facom (cuja programação completa pode ser vista mais abaixo). Como parte da programação, em três mesas sobre a temática As configurações poéticas pelo cinema, foram apresentadas discussões e análises relacionadas à disciplina Poéticas do Cinema e do Audiovisual, que foi oferecida no Semestre Letivo Suplementar de 2020, por mim e pelos professores Fábio Sadao Nakagawa e Marcelo Monteiro Costa (que se despediu da UFBA, tendo sido redistribuído para a UFPE).

Além de ter participado, como mediador, das apresentações de análises dos filmes Los silencios e Us, em uma das mesas, e dos filmes Zazie no Metrô e Close-up, na outra, estive em uma mesa ao lado de Fábio e Marcelo, debatendo aspectos do que discutimos no curso do semestre passado. As apresentações ocorreram ao vivo, mas a transmissão continua disponível no YouTube do Congresso UFBA.

Minha fala começa em 28 minutos e 21 segundos do vídeo e abordou algumas das questões que discuto no artigo “Cosmopoéticas da desobediência informe: leitura contra-colonial do regime da extração no catálogo Lumière”, partindo da vista analisada no artigo, intitulada Danse du Sabre, I, para chegar ao filme Et la neige n’était plus (E não havia mais neve…, Ababacar Samb-Makharam, 1966).

O que tentei foi dizer algo sobre poéticas da descolonização e cosmopoéticas no cinema. Para dizer, de forma ainda mais breve, aqui, o que busquei insinuar menos apressadamente por lá, é o seguinte: não há poética da descolonização que não seja uma cosmopoética, e não há cosmopoética que não seja uma poética da descolonização. Onde se anuncia ou se sonha a criação de mundo como colonização, ou onde se anuncia descolonização como forma de recolonizar e, portanto, destruir a alteridade, não há nem poética da descolonização, nem cosmopoética.

A história da modernidade não é a história da mundialização como criação de um mundo. A modernidade é o nome de um processo de destruição de mundos. Não basta dizer que o preço de criar um mundo é destruir muitos mundos. Não há criação de mundo algum na modernidade. Em sua relação com a modernidade, o cinema opera como um aparelho paradoxal, que consagra a cena da mundialização como unificação (globalização) e ao mesmo tempo fabrica um testemunho frágil e frequentemente falho da destruição de mundos que permanece fora de campo naquela cena.

Um dos momentos cruciais do testemunho cinematográfico da destruição de mundos é o da emergência do cinematógrafo Lumière, que inclui vistas de figuras do “primitivo em desaparição” que assombra a modernidade, nas quais há uma potência cosmopoética informe que escapa do aparelho. Quando o testemunho vagamente luminoso do cinematógrafo se desdobra nas intensidades fabulatórias das reivindicações do cinema por perspectivas de alteridade, como os cinemas africanos a partir de 1950-60 (ou os cinemas indígenas contemporâneos), formas de desordem se insinuam.

A transformação de uma potência cosmopoética informe em formas de desordem é o que confere às poéticas (cinematográficas) da descolonização seu sentido cosmopoético, uma vez que a ordem que a experiência da descolonização confronta é uma ordem de destruição de mundos. Um dos nomes do modo como se dá formas à desordem, confrontando a destruição de mundos com uma promessa que se manifesta em termos irreais, é “neve negra” (“neige noire”). É o que promete o protagonista de Et la neige n’était plus (E não havia mais neve…, Ababacar Samb-Makharam, 1966) à sua amada.

A promessa de “neve negra” condensa o sentido cosmopoético dos cinemas africanos: é a promessa de um impossível, de um inimaginável, que deve contudo ser imaginado e tornado possível, como outra coisa, como algo que não cabe, portanto, em seu próprio nome. Como promessa de “neve negra”, a descolonização delirada por Samb-Makharam transborda a experiência histórica da descolonização, nomeando seu abismo, tornando possível identificar, de forma delirante, o que a descolonização histórica, ao fundar Estados nacionais, deixou de lado.

Ao fundar Estados nacionais, a descolonização histórica reproduz a ordem confrontada, reinstaurando processos de colonização “interna” e reiterando a pretensa impossibilidade da “neve negra”. Contra esse falso realismo, uma poética da descolonização reivindica o direito ao real. Reivindicar o direito ao real como aquilo que todo realismo reprime e exclui sob o signo do irreal: eis o gesto paradoxal que constitui toda poética da descolonização como cosmopoética, e vice-versa. O real, isto é, o impossível, a invenção delirante, a “neve negra”.


Ciclo de Cinema e Audiovisual da Facom-UFBA

Mesas

22/02/2021

23/02/2021

24/02/2021

25/02/2021

26/02/2021

Mostras

Mostra À Luz Delas – Diretoras de Fotografia no Cinema Brasileiro

Sóis Dançantes (2min) – de Juh Almeida

À Luz Delas (72min) – de Nina Tedesco E Luana Farias

Mostra Lab Cines: Olhares Remotos – Oficina de Pesquisa e Experimentação Audiovisual.

Ontem Eu Era Você, Hoje Não Sei Mais – de Giuliane Pimentel

Maria Bezerra – de Renata do Canto

Sufoco – de Laiz Mesquita

As Bonecas Malditas De Maria Phuturista – de Alexandre Guena

Mostra Cinema na Pandemia – Filmes realizados no SLS 2020

Copo De Verdade – de Ilo Alves, Letícia Cavalcante, Mirella Nery e Vitor Neri

8 Meses Em 5 Minutos – de Mídiã Alves, Laís di Oliveira, Maria Martha e Benedito Cirilo

Amores Surdos – de Mateus Schimith

Mostra Audiovisual e Direito À Cidade

Baleado – de Vinícius Oliveira

Cantos – de Nelson de Paulo e Emilly Chagas

Cidade, Substantivo Feminino – de Beatriz Pinho, Graziela Ferreira e Jéssica Scanf

Estado Sonho – de Clara Matos, Naraci Souza e Rávila Catarine

(Im)Prefeito – de Erick Barbosa e Vinícius Oliveira

Medo Da Cidade – de Gabriele Santana

Rotas Emergentes – de Deyse Silva, Pâmela Paranhos e Rayana Azevêdo