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Med Hondo e os rastros da África

Este texto foi publicado no catálogo da Mostra Sem Fronteiras – O cinema de Med Hondo, realizada de 25 a 28 de novembro no MAM – Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e de 29 de novembro a 05 de dezembro em formato online. Agradeço à equipe de produção da mostra, em especial à coordenadora de produção, Layla Braz, e à curadora, Janaína Oliveira.


Se o cinema interessa a Med Hondo porque “é uma arte que deixa rastros”, como diz o cineasta em conversa com Ibrahima Signaté (1994), é preciso que tentemos compreender como o trabalho da produção de rastros opera em seus filmes. Seu desejo de praticar “uma arte que deixa rastros” deve ser compreendido, ao menos em parte, em termos biográficos, em relação à experiência de Med Hondo com o teatro, depois de fundar, como imigrante em Paris, a companhia Shango, que em seguida assume o nome Griot-Shango. A experiência com o teatro em uma companhia que se dedica a peças de dramaturgos africanos e afro-americanos, protagonizadas por atores e atrizes negros e negras, em uma metrópole colonial marcada pelo racismo, se revela talvez inarquivável, devido a dificuldades de financiamento, de público e de reconhecimento. O cinema de Med Hondo emerge, em parte, como uma confrontação rigorosa da violência dessa condição de exclusão da possibilidade de arquivamento de rastros, a partir de uma reivindicação inventiva da herança dos griôs e da força espiritual de Xangô para configurar uma ideia e uma experiência de África que são, de saída, transculturais e transnacionais, evidenciando o pertensimento de Med Hondo à nebulosa discursiva em torno do nacionalismo africano e do pan-africanismo (BARBOSA, 2020).

Nascido no território da atual Mauritânia, então sob colonização francesa, na região da cidade de Atar, em 4 de maio de 1936, Mohamed Abid Medoun Hondo é um cineasta do desterro: depois de passar pelo Marrocos em meados da década de 1950, chega à França em 1959, trabalhando nos mais variados contextos e iniciando sua trajetória artística no teatro, o que culmina na fundação da companhia Griot-Shango, em 1966, em Paris, com o ator de Guadalupe com quem realizará diversos filmes, Robert Liensol.1 Nas décadas seguintes, o trabalho de Med Hondo como cineasta continuará, de modo persistente, ainda que inconstante, ao mesmo tempo em que, entre seus meios de subsistência principais, trabalha como dublador em francês. No nome de sua companhia teatral, é interessante observar a justaposição de dois termos que remetem à intensa vida cultural de regiões diversas da África ocidental e à densidade das derivas diaspóricas que vinculam essas regiões às Américas. Talvez se possa reconhecer, na cifra do nome Griot-Shango, que se projeta sobre o cinema de Med Hondo como uma memória inaugural, a emergência intervalar da amefricanidade de que fala Lélia González (GONZALEZ, 1988).

A decisão de Med Hondo de se dedicar ao cinema parece obedecer a uma pulsão de arquivo, no contexto da violência anarquívica racista da ordem colonial, que exclui da possibilidade de arquivamento uma série de rastros da experiência negro-amefricana e, assim, institui a violência originária e a cada vez atualizada de um apagamento, inscrevendo uma lacuna anarquívica no coração do arquivo colonial-moderno. A ordem colonial arquiva os sujeitos colonizados por meio de seu apagamento, e é isso que define o sentido anarquívico de sua violência: ela destrói as memórias linguísticas, culturais e existenciais de uma multiplicidade de povos, como assistimos em uma das contundentes sequências iniciais de Soleil Ô (1970), na qual, um a um, diversos homens pedem perdão, em francês (ou em inglês) pelo pecado de falarem suas línguas maternas, assumindo em seguida nomes cristãos em um ritual de batismo que inscreve a multiplicidade de seus mundos sob o signo do “espírito do mal”, de modo a justificar sua destruição. Diante da violência anarquívica que funda a experiência colonial-moderna e seus arquivos do mal e do comum, delimitando os sentidos da “humanidade” (RIBEIRO, 2019), Med Hondo parece desejar produzir outros arquivos, com uma pulsão irredutível que, diante dos apagamentos, desdobra-se em um processo alternado de documentação e fabulação da história. O que gostaria de sugerir é que, na pulsão de arquivo de Med Hondo, está em jogo a possibilidade de devolver e redistribuir a violência anarquívica que funda o arquivo colonial-moderno e se atualiza em sua história, duplicando-a contra seu ordenamento e sua ordem.

A observação e o diálogo com imigrantes em seu desterro metropolitano, em Soleil Ô (1970), Mes voisins (1973) ou Les Bicots-nègres, vos voisins (1973), assim como o engajamento com o povo saarauí e a luta pela independência e reconhecimento políticos do Saara Ocidental (no embate contra prolongamento da dominação da Espanha sob a forma de uma divisão colonial do território entre Marrocos e Mauritânia, em acordo com a ex-metrópole), em Nous aurons toute la mort pour dormir (1977) ou Polisario, un peuple en armes (1978), exemplificam a diversidade de sentidos do trabalho de documentação do cinema de Med Hondo, como produção de outros arquivos, enquanto o trabalho de fabulação se desenrola quando Soleil Ô (1970) resume o advento da dominação colonial por meio do recurso à animação (em que um rei africano é subjugado por oficiais coloniais, logo no início do filme) ou da trucagem por meio de um corte abrupto (em que várias cruzes, que representam o missionarismo cristão imposto aos africanos pelo batismo, são invertidas e assumem a forma de espadas, um signo do poder militar que fundamenta a expansão colonial).

O aparelho cinematográfico torna possível o arquivamento dos rastros, e isso insinua uma promessa — talvez um delírio — de produção e sobrevivência dos rastros, que mobiliza Med Hondo em sua relação com o cinema. Por um lado, o teatro se caracteriza pela temporalidade de apresentações que, mesmo se repetidas formalmente, em espetáculos que se sucedem noite após noite, não deixam rastros: permanecem irrepetíveis na singularidade de sua experiência ontológica e dependentes de uma co-presença que o racismo torna impossível, na medida em que rasura qualquer possibilidade de partilha como experiência do comum. Por outro lado, o cinema registra e inscreve rastros, na temporalidade espectral de uma possibilidade técnica de repetição e de reprodução, que torna possível dar à experiência um modo de sobreviver à sua existência precária e singular, sob a forma de imagens e sons gravados. Para que o cinema produza seus rastros, no entanto, além de dificuldades ainda mais significativas de financiamento e na relação com o público, Med Hondo deverá enfrentar também a violência anarquívica que constitui a história do cinema, situando-a no que proponho compreender como uma economia política do nome de ‘África’ (RIBEIRO, 2021), baseada na extração de uma mais-valia material e simbólica da alteridade racial atribuída e imposta, de modo uniforme, ao continente africano. É isso que dá seu sentido ao início de Fatima, l\’algerienne de Dakar (2003), em que a reivindicação do nome de ‘África’ se dirige ao futuro de uma reparação: se “nosso passado acabou, nosso presente é incerto, e nosso futuro, obscuro!”2, se “o tempo dos griôs acabou”3, o que se torna necessário é uma escuta da história que torne possível curar as feridas.

Em um dos monólogos reflexivos que dá a Soleil Ô (1970) sua contundência como filme-ensaio, o comentário em voz over reivindica o nome de ‘África’ para elaborar os sentidos da desilusão do protagonista em relação aos dois horizontes que se sucederam como enquadramentos de sua experiência subjetiva. A promessa assimilacionista da civilização francesa, que o conduz a deixar a África e partir para a Europa, se revelou falsa, porque o racismo impede a assimilação e, ao mesmo tempo, a ideologia assimilacionista impede a nomeação do racismo como dano. A perspectiva de retorno e reconexão com suas origens e com sua cultura se revelou impossível, porque foram destruídas, ao mesmo tempo em que sua identificação como negro arquiva essa destruição sob o signo de uma “comunidade dos sem-parentes”, como escreve Achille Mbembe (2018, p. 73), consagrando no interior do arquivo colonial-moderno a violência anarquívica que a ordem do arquivo deve permanecer, assim, incapaz de reconhecer, enquanto a raça continua a operar como “uma das matérias-primas com as quais se fabrica a diferença e o excedente, isto é, uma espécie de vida que pode ser desperdiçada ou dispendida sem reservas” (MBEMBE, 2018, p. 73). É a violência anarquívica do racismo, em sua articulação com o capitalismo como domínio da mercadoria, que o filme nomeia, explicita e analisa, por meio da articulação entre um som percussivo de intensidade e ritmo crescentes, imagens da fuga do personagem interpretado por Robert Liensol, que sai de seu pequeno e desordenado quarto, atravessa ansiosamente as ruas da cidade e segue para além das linhas de trem e das estradas suburbanas, e o comentário que atravessa toda a sequência como um fluxo de consciência:

Vocês são cúmplices de todos os crimes da Terra. Permitem a perpetuação da escravidão, dos assassinatos, do genocídio. Escolhem suas vítimas e seus carrascos segundo a cor de suas peles, conforme aceitem ou recusem suas políticas. E, com a alma serena, vocês dormem tranquilos. Um agradável sentimento de boa consciência lhes envolve. Vocês se tornam brancos bons, negros bons. Todos compassivos. Todos bons cristãos. Mas vocês sabem que todo contato é interesse. Todo diálogo é mercadoria. Toda ajuda é investimento. Todo tempo é relação com o futuro. Toda verdade é comprável. O homem morre em seus olhos abertos, aniquilado, ridicularizado, rejeitado. África, África, África, África, África, África, África, África, África, África, África, África, África…

A repetição enfurecida da palavra ‘África’, que a converte também em grito e música, situa o primeiro longa-metragem de Med Hondo no cerne da disputa pela economia política do nome de ‘África’ que define a luta anti-colonial. Nesse contexto, a impressionante sequência inicial de Les Bicots-nègres, vos voisins (1973) condensa a leitura da história do cinema que orienta o cinema de Med Hondo, por meio de um monólogo de Bachir Touré, uma espécie de monólogo com os espectadores e as espectadoras, cuja interpelação direta como irmãos e irmãs dá início a uma interrogação dialógica e polifônica sobre o que é o cinema a partir, justamente, da África. A pergunta ontológica fundamental, consagrada no título do livro de André Bazin — O que é o cinema? — e usualmente concebida, no debate teórico, como uma questão conceitual universal, é deslocada desde o início do monólogo polifônico de Touré: “De fato, o cinema…”, diz ele, dirigindo-se diretamente à câmera, “o que isso significa exatamente para nós, povos da África, do Terceiro Mundo?”4. Na sequência, a criação do cinema, como máquina, é atribuída aos “ocidentais”, aos “toubab”, um termo que designa pessoas de pele branca, de modo geral, em diferentes contextos linguísticos e culturais da África do Oeste. Assim, os brancos “fabricaram filmes para entreter seus povos”5 e, “como estavam nas nossas terras — e estão ainda nas nossas terras — eles transportaram até elas filmes para nos entreter também”6. Touré está em uma sala com as paredes cobertas por diversos cartazes de filmes hollywoodianos e europeus, entre os quais ele destaca alguns, como o de um dos filmes de Tarzan protagonizados por Johnny Weissmuller, que aparece em um desenho, ao lado de Maureen O’Sullivan e do chimpanzé Chita.7 “A história não era nunca uma história africana, certamente…”8, continua Touré, para mais adiante concluir: “A gente ia ver, como brancos, filmes de brancos, feitos por brancos, para brancos”.9

Assim como nos episódios de Histoire(s) du cinéma (Jean-Luc Godard, 1988-1998), na história do cinema de Med Hondo, a experiência da Segunda Guerra Mundial ocupa um lugar central, explicitado no discurso de Touré, que menciona as “campanhas africanas” e o engajamento dos colonizados na luta “para livrar o Ocidente de uma tirania ocidental”10, o que conduz à aparição de uma imagem de Hitler. A sequência desdobra a análise de Touré em uma performance contundente, entoando palavras de ordem militares dos tiraileurs africanos, enquanto a câmera intensifica a força da performance por meio de close-ups, e a montagem articula a sequência com imagens pictóricas de soldados negros. Assim como diante da Segunda Guerra Mundial, Med Hondo opera, em relação a Godard, o que podemos descrever como um deslocamento contra-colonial, é a uma crítica do imaginário colonialista do western, apresentado como um dos gêneros preferidos de espectadores africanos, que se dedica Touré em seguida, dando continuidade ao deslocamento contra-colonial dos marcos de leitura da história do cinema. As lutas anti-coloniais na África do Sul, na Rodésia, em Angola, em Moçambique e em Guiné-Bissau são mencionadas, ao som de tiros característicos de westerns, como contextos em que os brancos continuam a assassinar aqueles que pretendem dominar.

A sequência se estende de modo cada vez mais complexo, passando cada vez mais para uma consideração da história do cinema como parte de uma história política definida pela contraposição e pela desigualdade radical entre ricos e pobres. Um homem branco oferece uma explicação detalhada da economia política capitalista, que prolonga a situação colonial depois das independências políticas formais e enquadra a experiência de imigrantes que deixam a África para viver na Europa. O fundamento teórico-político marxista do discurso explicativo é evidente, mas um enquadramento de leitura que compreenda o cinema de Med Hondo, com base em exemplos como o deste trecho, como um cinema político e militante, de horizonte pedagógico e didático, corre o risco de se equivocar, se não situar cada uma dessas noções em relação à efervescência e à irreverência de sua intervenção. Ao mesmo tempo em que reitera a cena de uma explicação analítica da realidade social, por meio do discurso de uma espécie de professor que fala a seus estudantes, o filme mostra os recursos visuais que ele manipula para compor uma visualização crítica do processo histórico, sobre um mapa da África e da Europa, e ainda divide o fluxo da exposição com a introdução paródica de uma figura que recorda a imagem de Karl Marx.

Quando voltamos a Bachir Touré, revelada a falsidade da história do cinema em sua relação com o capitalismo, é possível reivindicar o cinema como um “precioso instrumento de cultura, de informação, de relaxamento, de luta”11, que “corre o risco de nos escapar para sempre”12. Essa reivindicação, que tem lugar entre os cartazes, ocorre sobre o pano de fundo da possibilidade de um “cinema africano” que se dê como a continuidade do cinema colonial e capitalista por outros meios. O único meio de escapar dessa captura é, segundo Touré, nacionalizar as salas de cinema e os circuitos de distribuição: “precisamos de um cinema nacional”13. A defesa da nacionalização do cinema, com base na análise marxista da economia política do capitalismo, estabelece um horizonte político explícito que não pode ser desconsiderado, hoje, como se correspondesse a uma perspectiva ingênua. No mesmo filme, essa defesa se tornará cada vez mais elaborada, culminando na sequência em que uma conversa analítica entre várias personagens se desenrola em uma sala que tem, em suas paredes, os cartazes de diversos filmes africanos. Nesse contexto, é a declamação de uma poesia que reivindica, a partir dos “países do sol”14, uma interrogação da França e do Ocidente, assim como da experiência da migração e do desterro, em resposta a um chamado da África, pelo retorno a uma África que permanece inimaginável, na medida em que nomeia um povo que ainda não existe, um “nós” que resguarda os rastros de outros tempos, que o colonialismo e o neocolonialismo pretenderam e pretendem destruir, em suma, um modo de existência que resta irredutivelmente virtual em sua potência de luta.

Referências

BARBOSA, M. S. A razão africana: breve história do pensamento africano contemporâneo. São Paulo: Todavia, 2020.

GONZALEZ, L. A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, v. 92/93, p. 69–82, jun. 1988.

MBEMBE, A. Crítica da razão negra. Tradução: Sebastião Nascimento. São Paulo: n-1 edições, 2018.

MURPHY, D.; WILLIAMS, P. Med Hondo. In: Postcolonial African cinema: ten directors. Manchester: Manchester University Press, 2007. p. 71–90.

RIBEIRO, M. R. S. Da economia política do nome de “África”: a filmografia de Tarzan. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)—Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 30 jun. 2008.

RIBEIRO, M. R. S. Do inimaginável. Goiânia: Editora da UFG, 2019.

RIBEIRO, M. R. S. Tarzan, um negro: para uma crítica da economia política do nome de “África”. Afro-Ásia, v. 0, n. 63, 25 jun. 2021. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/38589.

RIESCO, B. L. Historia y ansiedades de la crítica de los cines africanos a través de la persona y la obra de Med Hondo. El Futuro del Pasado, v. 5, n. 0, p. 163–187, 13 out. 2014.

SANOGO, A. The indocile image: cinema and history in Med Hondo’s Soleil O and Les Bicots-Nègres, Vos Voisins. Rethinking History, v. 19, n. 4, p. 548–568, 6 ago. 2015.

SIGNATÉ, I. Med Hondo, un cinéaste rebelle. Paris; Dakar: Présence Africaine, 1994.


  1. As informações sobre a trajetória de Med Hondo neste e em outros parágrafos estão disponíveis em alguns artigos e capítulos cuja leitura foi fundamental para a elaboração deste texto: o capítulo dedicado ao diretor por David Murphy e Patrick Williams (2007); o artigo de Beatriz Leal Riesco (2014) sobre a recepção crítica da obra do cineasta; o artigo de Aboubakar Sanogo (2015) sobre as abordagens da história na obra de Med Hondo, com foco em Soleil Ô (1970) e Les Bicots-nègres, vos voisins (1973). 

  2. No original (legendas em francês): Notre passé est révolu, notre présent est incertain et notre futur obscur! 

  3. No original (legendas em francês): Le temps des griots est révolu

  4. No original: Au fait, le cinéma… qu’est-ce que ça signifie au juste pour nous autres, peuples d’Afrique, du Tiers-Monde ? 

  5. No original: ont fabriqués des films pour amuser leur peuples

  6. No original: comme ils étaient chez nous — et ils sont encore chez nous — ils y ont transportés leur films pour nous amuser aussi

  7. Para uma análise da filmografia de Tarzan que converge com a perspectiva crítica proposta no filme de Med Hondo, remeto ao artigo já citado (RIBEIRO, 2021), que apresenta uma visão introdutória da análise, assim como à minha dissertação de mestrado (RIBEIRO, 2008), para uma visão mais detalhada. 

  8. No original: L’histoire n’était jamais une histoire africaine, bien sûr… 

  9. No original: On allait voir, comme des blancs, des films de blancs, faits par des blancs, pour des blancs. 

  10. No original: pour délivrer l’Occident d’une tyrannie occidentale

  11. No original: précieux instrument de culture, d’information, de détente, de lutte

  12. No original: risque de nous échapper à jamais

  13. No original: il nous faut un cinéma national

  14. No original: pays du soleil